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Um Fazedor cultural

Reconhecido em sua própria terra, no curso da existência já longa e laboriosa, José Mendonça Teles não apenas escreve e publica, realiza, valoriza e põe em evidência talentos alheios.

*Franklin Jorge

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José Mendonça Teles [1931-2018] tem sido o porta-voz da cultura goiana, o chefe da infantaria que avança e espalha em todas as direções a produção de obras intelectuais dos filhos da terra de Anhanguera, ainda geograficamente enquistada no recôndito do Oeste brasileiro.

Sempre por onde andou ou teve ingerência sobre os negócios públicos, Mendonça batalhou pela expansão e difusão da cultura que singulariza e engrandece Goiás. É notório o seu envolvimento com a cultura e os valores goianos em sua diversidade. Nos últimos 40 anos serviu à cultura sempre cheio de entusiasmo – esse entusiasmo que seria expressão do talento – para reconhecer e valorizar o mérito. – Como um desses cavaleiros andantes da utopia, como um Quijote enfrentando a burocracia e a má vontade, semeando ideias, implementando ações, dando esperanças à cultura.

Suas crônicas capitosas, inspiradas pela argúcia do pesquisador de curiosidades da história e da crônica das cidades remanescentes do ciclo do ouro, Mendonça Teles enseja o resgate de obras magnas da cultura de sua terra. A história que tem vivido, em Goiânia, como um agente cultural ativo, autor desse livro delicioso, “Crônicas de Pirenópolis”, consagra uma vida laboriosa e algo apressada. Porque o autor de “Setembro nos reúne” tem sempre pressa.

Dele sou devedor, desde que se dispôs a publicar-me em “O Ouro de Goiás” [2012], resumo de um livro que compus com notas e depoimentos colhidos no curso dos anos. Queria traçar, por aquela época, uma radiografia sintética da cultura goiana vista por um estranho indiferente a intrigas e maledicências. Capturada em imagens e palavras. Foi uma ação rápida, a de José Mendonça Teles como editor: da proposta à publicação, o tempo foi curto. Toda demora deveu-se exclusivamente a mim, que remanchei, ainda um tanto ressabiado de tal convite que me pegava de surpresa. E, também, porque desejava corrigir os cochilos e as gralhas, cvomo se dizia de uma má tipografia, de uma tipografia descuidada ou incipiente, ou, mais uma vez, reescrever se não o livro inteiro, sentença por sentença, página por página, capítulos, páginas…

Terei herdado de Alcyone Abrahão, nossa amiga incomum, a amizade de José Mendonça Teles, Mendonça Teles, Mendonça, um nome de todas as horas. Alguém disposto a arregaçar mangas para maior glória da cultura goiana. Um incansável colaborador da imprensa local, imprescindível às realizações, salvou do limbo dos arquivos a coleção do “Matutina Meapontense”, jornal que circulou em Pirenópolis de 1830 a 1834, quando as suas máquinas foram vendidas ao Governo da Província, que fundava a Imprensa Oficial. Um jornal que falava através de milhares de vozes e que não se acovardava diante dos poderosos. Um jornal que hoje lemos sob o benefício do conhecimento posterior, e nos deliciamos com a sua verve democrática. Com a sua insolência igualitária.

“Matutina Meapontense” tinha como redator o padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleury, um perfeito liberal que publicava as contundentes críticas endereçadas não apenas ao Governo, mas à Igreja e aos dignatários da igreja. Tinha um humor cheio de arestas, geralmente pautava-se pelas boas e civilizadas maneiras, sem dispensar algumas gotas de cicuta entre parágrafos. O padre era um adversário político constante e espirituoso; sabia fazer rir dos adversários e fazer-lhes a caveira como bom cristão.

Basta esse resgate feito por José Mendonça Teles, nos arquivos dos primeiros anos da imprensa militante em Goiás, para consagra-lo como emérito conservador da cultura goiana em sua época. Mendonça Teles vai desencavar camadas de tempo, lançando luz sobre o passado da terra e de homens que de alguma maneira fizeram a história de sua querência. Como esse padre que fundou a imprensa goiana com tanta verve, agora ao alcance de todos os leitores e pesquisadores, graças a esse resgate precioso de um acervo que se desfaria em pó.

Um goiano valoroso, José Mendonça Teles. Terei herdado sua amizade de Alcyone Abrahão, que, enquanto residiu em Natal, criou pontes entre o Rio Grande do Norte e Goiás, num esforço de intercâmbio cultural que culminou com a mostra, em Natal, de sua coleção de artistas goianos e, em Goiânia, a mostra de obras de três artistas sob a rubrica “Arte Potiguar em Goiás”, que teve a autora de “Chevrolet 59” como curadora e apresentadora do evento. Sempre honramos, José Mendonça e eu, em dedicatórias e comunicações, a memória de nossa querida Alcyone, que nos apresentou e pôs no circuito.

Presenteou-me no curso dos anos com livros e recortes de crônicas que produziu, além desses exercícios de admiração produzidos por José Mendonça e publicados na imprensa goiana; um militante incansável da cultura. Acompanhei-o desde aqueles remotos anos de 1970, quando ainda escrevíamos cartas e não, ainda, e-mails; e o soube sem interrupção, da atividade desse goiano que tem arregaçado as mangas pela cultura de sua terra, como prova-o o Instituto que recebeu o seu nome em batismo legal.