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Fenômeno autoexilado

Atriz e dramaturga potiguar que trocou o seu Estado pelo Rio de Janeiro é hoje artista de rua na capital fluminense; em Natal, nos anos 1970, encenou apenas duas peças que se tornaram marcos na história cênica da cidade; nos dias atuais, a artista também se dedica às artes visuais

Franklin Jorge

Nome é destino, disse-o Nietzsche com a precisão que o engrandece. Assim não nos surpreende que Águeda derive do grego Agathé, que significa boa, bondosa. No caso específico de Águeda Ferreira, uma personalidade ativa, decidida e cheia de energia, sempre apta a se lançar em alguma aventura, detentora dos carismas da vida, como a sua arte que se exprime em diversas linguagens, em especial a do teatro como atriz e dramaturga, autora de uma única peça que a aproxima da mesma categoria de autores como Plínio Marcos. Ambas criaram obras marcantes. Dominaram o calão, o sermo vulgaris.

Reencontrei-a, no último sábado, em um café no shopping Midway Mall, após anos sem revê-la em carne e osso. Atualmente, vivendo no Rio de Janeiro, como artista de rua e transeunte de trens suburbanos, sempre vestida de palhaço e acompanhada de sua flauta, fazendo performances e passando o chapéu entre o público que se encanta com seus gracejos e mímicas.

Em Natal, trabalhou por 14 anos na Fundação Capitania das Artes, em serviços gerais, sem se fazer notar por seu particular talento, sempre subestimada, por ser refratária à subserviência e à bajulação, como alguém que se garante por seu natural e genuíno talento, agora por último, também como artista visual, criadora de um repertório plástico cheio de personalidade.

Já vai longe a noite em que a vi pela primeira vez num palco. Primeiro, interpretando a Cosma em “O Capeta de Caruaru”, cujo marido, o sacristão, é amante de uma jumenta. Depois, a vi em seu grande momento como autora e atriz na peça “Que Mulesta de Vida”, que faz pendant com “Navalha na Carne”, em seu contundente realismo e histrionismo capaz de arrancar aplausos em cena aberta no pequeno e obscuro Teatro Sandoval Wanderley, creio que nos anos de 1970.

Em “Que Mulesta de Vida”, atriz e dramaturga em seu melhor momento. Via-a, naquele pequeno palco, em um momento apoteótico. Cheia de verve e histrionismo gestual e oral, sob a impecável direção de César Filho, grande e talentoso encenador. Um grande momento do teatro potiguar, para os mais corajosos e independentes; o silêncio, para a maioria.

Já por diversas vezes me detive escrevendo sobre a sua arte de expressiva e contundente oralidade, chamando a atenção de todos para o seu indomável e peculiar talento. Um exemplo de dignidade dentre os nossos artistas. Uma artista em plena consciência. Assim a vi pela segunda vez, interpretando Zefa, personagem que ela mesma criara e parecia viver com vida própria, cheia de autenticidade e essa indescritível astúcia dos artistas.

Franklin Jorge, diretor de Redação da Navegos, é autor dos livros “Ficções Fricções Africções” (Mares do Sul; 62 págs.; 1999), “O Spleen de Natal” (Edufrn; 300 págs.; 2001), “O Livro dos Afiguraves” (FeedBack; 167 págs.; 2015), dentre outros.

NOS PALCOS DA VIDA Ágata Ferreira que, além de atriz e autora teatral, também se dedica à arte pictórica; depois de décadas residindo na capital fluminense, recentemente visitou Natal em companhia do fundador desta Navegos Franklin Jorge, onde ela nasceu na década de 1950