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Um homem feito de palavras

Poeta, jurista, crítico literário e historiador, Dimas Macedo (Lavras da Mancabeira-Ceará-Br,1956) é Mestre e Livre Docente em Direito, professor da UFC e integrante da Academia Cearense de Letras. Poeta e ensaísta, é autor de vários livros, entre os quais Vozes do silencio (2003), ´poesia e Crítica Imperfeita (2001), Crítica Dispersa (2003), ensaios. Como palestrante, fez-se conferencista, entre outros, nos seguintes auditórios: Universidade de Salamanca (Espanha), Universidade San Marcos (Peru), Universidade de Le Havre (França), Universidade de Brasília, Universidade do Porto (Portugal), Universidade Federal da Bahia, Benemérita Universidade de Puebla (México) e Instituto de Altos Estudos de Direito Público – Porto Alegre.

*Franklin Jorge

Em que circunstância surgiu o seu interesse pela Literatura?

Eis um assunto que se revelou para mim em forma de mistério. Na infância, quando me perguntavam o que eu queria ser no futuro, eu respondia sempre que o meu desejo era ser escritor. Não sei o que isso representava no meu caso. Eu não tinha livros de Literatura por perto. O meio em que eu vivia era muito pobre e acanhado, assim como eram o mundo e as condições de existência nas cidades do interior do Nordeste, no início da década de 1960. Mas o meu avô – Antônio Lobo de Macedo, conhecido, ainda hoje, como Lobo Manso – era um cordelista renomado e o meu tio Joaryvar Macedo já despontava como pesquisador, firmando-se depois nessa área como um dos grandes historiadores do Ceará, com passagens pela Academia Cearense de Letras e o Instituto do Ceará.

O que o levou a escrever?

A inquietação existencial e cosmológica, as figuras lendárias da política de Lavras da Mangabeira, as histórias contadas pelas minha mãe, o rumor das águas do Salgado que passava próximo à nossa casa, a mania que eu tinha em querer contar as estrelas em noites de muita claridade, a fuga do drama que eu via prosperando no seio da minha família, o sino que plangia diariamente na torre da Igreja de Lavras, a teimosia que eu tinha em aceitar os limites da educação formal que me era imposta pelos meus pais, o medo de morrer de forma inesperada, assim como todas as crianças que partiam e cujos enterros passavam pela minha rua, marcando a minha voz e o meu jeito de ser com as suas despedidas.

Como definiria o ato de escrever?

O ato de escrever para mim é e será sempre será uma pergunta. A claridade das coisas e o absurdo da vida disparam em mim a necessidade de perguntar por que estou vivo, por que habito essa fauna tão contraditória e indulgente que é a humanidade mergulhada na sua hipocrisia e na falsificação da verdade. Minha literatura clama pela Viva e pela Esperança, é contraditória, assim como são várias as minhas personas diante da escritura e da palavra. Parece-me que o poeta, o crítico, o historiador e o jurista estão em oposição diante do meu eu profundo. Seriam os meus outros eus, para aqui me valer da expressão de Fernando Pessoa.

Como transcorreu sua infância? Alguma coisa, em particular, o marcou nessa fase de sua vida?

A minha infância não foi nada fácil. Como disse, certa feita, numa crônica publicada quando ainda era muito jovem: “minha infância nunca teve graça”, pois, doente e com “sentença de morte pela frente”, o jeito que tive foi fantasiar a existência durante a juventude e abraçá-la com resignação na maturidade. Hoje a vida para mim é uma esperança, edificada na Fé e nas minhas convicções acerca existência do Amor. Mas eu não acredito na salvação do homem pela Fraternidade, nem acredito que a Política ou suas ideologias possam resolver os grandes problemas sociais. Nesse ponto, acho que sou um cético, mas na minha essência profunda eu não me considero um pessimista.

Como descreveria a contribuição do Ceará à Literatura Brasileira?

O Ceará deu ao Brasil uma grande contribuição à Literatura. Desde José de Alencar e Araripe Júnior, passando por Domingos Olímpio, Adolfo Caminha, Antônio Sales e Oliveira Paiva, tem sido expressivo esse contributo. José Albano é um poeta de grande inspiração e elaboração estilística; os romances de João Clímaco Bezerra e Rachel de Queiroz, os contos de Moreira Campos, a ficção de Herman Lima, a poesia de Francisco Carvalho e Gerardo Mello Moura, o teatro de Eduardo Campos, a estética exemplar e simbólica de Alcides Pinto, sobre a qual escrevi o livro – A Face do Enigma –, e a criação literária de Natércia Campos e Nilto Maciel fazem do Ceará um território literário expressivo cujas marcas são a expressão da palavra levada às últimas consequências.

O que distingue, a seu ver, os escritores cearenses contemporâneos dos escritores históricos? Há algum traço discernível entre eles?

Os escritores contemporâneos afastaram-se um pouco do drama secular e da tragédia que remarcaram a nossa formação, mas em poetas como Adriano Espínola e Luciano (este último de forma especial) vemos as linhas do Ceará redesenhadas pela luminosidade do sol e pelo mito da sua redenção através da transfiguração do Rio Jaguaribe. Carlos Emílio Correia Lima é um escritor de alcance universal, porém injustiçado e esquecido. Nos dias atuais, eu citaria a poesia de poesia de Roberto Pontes, Horácio Dídimo e Linhares Filho e destacaria a curta ficção de Pedro Salgueiro e Tércia Maranhão, elevando a um posto mais alto os romances de Ana Miranda.

Como descreveria a vida cultural do Recife em relação a de Fortaleza?

Eis uma pergunta que continua nos desafiando. A vida cultural de Recife é pujante e em seus intelectuais se pode colher uma maior consciência política. Fortaleza é mais província e os seus muros ainda são feitos de palhas de coqueiro, apesar dos seus grandes achados culturais e estéticos, como é o caso da Academia Francesa e da Padaria Espiritual. Coisas típicas da formação política dessas duas cidades, tão próximas e tão distantes em face dos processos sociais, industriais e políticos, que se diferenciam também desde a base das suas inserções em áreas mais extensas ou menos extensas do nosso semiárido.

Crê que o Jornalismo, como o conhecemos, caminha para a dissolução e desaparecimento?

Não acredito na hipótese da dissolução do jornalismo tal como o conhecemos hoje. As suas formas de expressão se transformaram, está havendo uma pluralidade de nichos editoriais, a sua qualidade está muito pior, mas a dissolução que vejo no jornalismo é a dissolução da verdade, a falsificação do fato, a negação da reportagem que já não é a mesma e que se dissolve também pela necessidade da criação da notícia, imposta pela velocidade da vida exposta nas redes sociais, que precisam ser alimentadas, ainda que tenhamos que matar o nosso semelhante em nome da cegueira que atravessa o espaço midiático. É, parece que já estou concordando com a sua pergunta, e isso já é motivo para ressaltar que precisamos discutir com mais profundidade esse tema de tão alta relevância.

 Como e em que circunstancia conheceu Nilto Maciel? Como vê a sua contribuição à Literatura e o seu trabalho de divulgador dos escritores brasileiros? Como o descreveria?

Perdem-se no tempo as minhas andanças e os meus colóquios com Nilto Maciel. Um dos raros escritores incomuns na Literatura brasileira das últimas décadas, infelizmente hoje desaparecido. A nossa produção literária e a geração de escritores seus contemporâneos muito devemos à sua liderança e influência. E muito mais somos devedores da sua criação literária, original, clássica e desafiadora. Nilto Maciel escreveu uma obra de gênio, uma escritura de corte sintético e de alcance simbólico que primam pela correção gramatical e pelo refinamento estético e estilístico. Sem nenhuma dúvida, Nilto é um dos nossos maiores escritores. Seu trabalho de divulgação dos escritores brasileiros talvez encontre poucos exemplos com os quais possa concorrer. A criação da revista O Saco, em Fortaleza, ainda na década de 1970, e a repercussão alcançada pela sua proposta, mexeram, profundamente, com a nossa literatura. Depois, já residindo em Brasília, Nilto Maciel fundou a Editora Códice e a revista Literatura, cuja trajetória todos nós conhecemos. Associei-me a ele nesses dois últimos projetos. Mantive com ele uma correspondência franca e proveitosa, especialmente na época que escrevíamos à mão ou de forma datilografada. Talvez essa correspondência valesse alguns volumes, já ainda estivéssemos na época em que a escritura feita dessa forma tinha o seu significado. Sempre irônico e resignado com os tormentos da vida interior inquieta, Nilto Maciel era, no entanto, uma viajante, e viajante em todos os sentidos. Não demorava muito em um mesmo endereço. Trocou a cidade de Baturité, onde nasceu, por Fortaleza. Depois, mudou-se para Brasília, onde desempenhou funções burocráticas, como funcionário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, lastreando-se nos seus conhecimentos de Bacharel em Direito. Mas isso conta muito pouco na sua biografia, pois o que importa destacar na sua vida é a Literatura, que fundamenta toda a sua vida enquanto destino e vocação.