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Um jardim é a visão divina do Paraíso

Fundador de Navegos se deleita com plantas, arbustos, sementes e com a sombra que lhe proporcionam as florações de seu jardim selvagem.

*Franklin Jorge

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Quando Deus pensou fazer o Paraíso, escreve Bacon, fez um jardim.

Pangloss, mestre do lugar-comum, após todas aquelas ásperas e confusas peripécias com perigosas consequências para a credulidade, termina seus dias na companhia de Cândido, cultivando sua versão do Paraíso.

Muitos querem apenas um jardim. Um lugar edênico, verdescente, fresco, luminoso, próximo da terra hereditária.

Um jardim que surpreende e gratifica os gatos que se lançam a aventuras e, em desabalada carreira, excitados pelo desafio, escalam o tronco do coqueiro, saltam sobre jarros e se escondem sob folhagens.

O Jardim parece ser a meta final de todos os seres vivos: sombra, frescura, perfume. Um bom lugar para passar a Eternidade transfigurado em elementos da Natureza; em grãos; em átomos.

Imaginei um jardim selvagem, de florações em tons pastéis, entre galhos secos. amarronzados e acinzentados.  Aqui e ali um recanto ensombrado, escuro e úmido; uma fonte de água; bebedouros; grãos; as frutas que amadurecem pendentes dos galhos, como as bananas, os sapotis, as pinhas, os mamões e os tomateiros que frutificam à volta da casa.

Como disse e reitero, devaneava um ‘’jardim selvagem’’, imerso em uma dúvida permanente e obsedante, que me privava da capacidade de reconhecer e compor um jardim selvagem. Aqui me empaquei. Que seria, afinal, um jardim selvagem?

Um jardim no qual gostasse de me perder.

Menino, no Estêvão, fantasiei que era um Príncipe, cujos domínios seriam aquele Bosque de Oiticicas, como o denominei, enraizada ali onde, por gerações, ninguém habitara. Ali, entre os galhos de uma vetusta oiticica, minha predileta, espichava-me, cuidadosamente, para não despencar de tais alturas, abria um daqueles adoráveis volumes firmados por Daudet ou Dickens com os seus velhos miseráveis, avarentos, mesquinhos, exploradores de crianças treinadas para o roubo e a mendicância, numa Londres vitoriana. Ali ficava, por horas, suspenso entre galhos, lendo.

Enquanto Dickens nos fazia enternecer e tremer e suspirar por seus órfãos entregues à caridade de brutos que os espancavam, feriam e matavam, confinando-os como condenados em lugares frios e sombrios, Daudet levava-me a passear com os bichos da Chácara do Moinho, aos pulos, rindo e sentindo na alma rajadas de felicidade.