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Um leão no jardim

Escritor americano distinguido com o Prêmio Nobel de Literatura, refratário ao oba-oba e aos ouropéis, aqui flagrado por jornalista francesa, confirma a impressão que deixou no Brasil ao perguntar a Lygia Fagundes Telles a que horas nossos escritores costumavam escrever, já que pareciam estar sempre em coquetéis.

*Madeleine Chapsal

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Quando William Faulkner veio a Paris em missão no Departamento de Estado, ele pode ter imaginado o que estava por vir. Mas ninguém que o observasse de perto em coquetéis, recepções e coletivas de imprensa poderia duvidar de que ele estava em uma situação mais difícil do que havia previsto.

Sua experiência mais impressionante foi o coquetel Gallimard. A sede da editora fica na rue de l’Université, e seus amplos quartos com painéis de madeira dão para um prado com três árvores: um dos famosos jardins secretos de Paris. Por trás dessa fachada de elegância do século XVIII, a editora detém um ávido monopólio sobre os melhores autores franceses da época.

Quando Faulkner apareceu às seis da tarde, não havia ninguém para cumprimentá-lo. Os Gallimard — são uma família inteira — ainda estavam lá em cima. Ele se viu cercado por três jornalistas e um fotógrafo que, como o convidado de honra, havia sido pontual. Eles tiveram sorte; em poucos minutos haveria quatrocentas pessoas ali. Por enquanto, eles tinham o herói para

À primeira vista, o homem não era impressionante. Mas há algo intransigente e forte, como um camponês, em seu modo de ser. Ele fala em voz muito baixa e não faz gestos bruscos. Ele parece ser o tipo de pessoa que se dá bem com animais e crian

A imprensa se aproximou dele com reverência. “Senhor. Faulkner”, começaram. Imediatamente eles bateram em um muro, o famoso muro de que toda Paris vinha falando há dias, mas no qual ninguém realmente acreditava até estar em frente a ele. É construído com a mais requintada, mas mais obstinada das cortesias, a cortesia especial que nós, na França, consideramos como atributo de certos americanos criados no Sul. Quando você esbarra nele, você se sente gentilmente empurrado a uma distância imensa de William Faulkner.
Tente você mesmo. Faça uma pergunta a ele. Ele se inclina em sua direção, ouve você, responde “Sim” ou “Não” e dá um passo para trás. É esse retrocesso que é tão trágico. Depois de forçá-lo a recuar – cada pergunta um passo – até os jornalistas mais tenazes jogam a toalha.
No entanto, os três repórteres tentaram um após o outro. Afinal, eles estavam lá para voltar com uma história, mas quando chegaram ao muro, desistiram.
“Pensar que eu tenho o caminhão de som lá fora, e para nada!” disse o homem no rádio, como se dissesse “eu tenho a cruz e os pregos lá fora”. Os repórteres sentiram muita pena do cara no rádio. De volta à redação, eles sempre inventavam algo para escrever.
O fotógrafo tirou uma última foto. Faulkner ficou com uma jovem. Ele pediu um bourbon. Faulkner se comporta de maneira diferente com as mulheres, provavelmente porque gosta delas e não tem medo delas. As mulheres não o atacam com artifícios mecânicos ou intelectuais; as mulheres, como Faulkner, estão mais inclinadas a se sentirem deslocadas. Além disso, ele tinha seu bourbon. Faulkner gosta muito de bourbon.
A performance começou. Todo o clã Gallimard desceu sobre ele com um sorriso largo e meia dúzia de tentáculos. Mulheres da alta sociedade se reuniram. A caçada havia começado. Uma hora depois, Faulkner recuou o máximo que pôde. Ele estava parado na beira do jardim, sob a árvore com a folhagem mais espessa, encostado na barreira de ferro forjado.

De vez em quando, nas salas de recepção bem iluminadas, alguém largava um copo, recusava um sanduíche e mergulhava na escuridão do jardim. Dois minutos depois estava de volta, consternado: “É horrível! Eu não posso assistir, é como assistir alguém que está sendo torturado.”

Uma senhora que havia chegado tarde tomou alguns goles e empurrou o copo para longe, proclamando: “E agora vou sair para fazer algumas perguntas ao nosso querido e grande Faulkner”. Os outros a seguiram com os olhos enquanto ela descia o caminho de cascalho do jardim. Meio minuto depois ele estava de volta: “Está frio debaixo das árvores.” Sua voz não era a mesma.

Sim, fazia frio lá fora para quem está acostumado a ser recebido com entusiasmo assim que afirma ser de um jornal, e com um sorriso quando menciona a obra do autor; para aqueles que prosperam em intermináveis ​​conversas literárias entre pessoas pertencentes ao mesmo mundo, mesmo que não tenham lido uma única palavra escrita pelo gênio.
Não adianta olhar para Faulkner. Você tem que ler isso. Para quem o leu, Faulkner já deu tudo o que tem a oferecer e está ciente disso. Então você pode entender que quando você repete várias vezes “Sou um fazendeiro” ou “Eu escrevi aquele livro para poder comprar um bom cavalo”, é apenas outra maneira de dizer as primeiras coisas primeiro: Faulkner quer que eu estar interessado em um está em seus livros.
Faulkner parece não se acostumar com essa tentativa permanente de tirar dele o que ainda lhe pertence. Afinal, é tão pouco. A expressão em seu rosto, por exemplo, ou os gestos de suas mãos. Nada é tão patético quanto a indiferença cansada com que ele permite que as pessoas o encarem para que ele possa ir embora dizendo: “Que cabeça! Que cabelo maravilhoso!”
A festa finalmente acabou. “Eu gostaria de ir embora”, disse Faulkner a alguém. Eu gostaria de me despedir de um Gallimard.” Trouxeram-lhe um, um Gallimard gordo: “Não”, disse Faulkner, não aquele. Eles desapareceram na multidão novamente e trouxeram outro Gallimard alto e magro. “Não é este também”, disse Faulkner. “Qual você quer?”, perguntaram. “Aquele que parece um pouco triste, o careca”, disse Faulkner. “Ah, esse já foi para a cama”, disseram-lhe. “Não importa”, disse Faulkner, caminhando pelas ruas de Paris, cansado, um pouco trêmulo, mas livre.

Madeleine Chapsal
«Um leão no jardim», 1955
Entrevistas 1926-1962
Tradução: Antonio Iriarte
Editora: Reino de Redonda

Foto: William Faulkner