*Antenor Laurentino Ramos
Bem que poderia ser um personagem de romance, uma criação típica de Graciliano Ramos ou de José Lins do Rego – Telúrico, amante das coisas da terra como ninguém. De fala cantante, costumes primitivos, rústicos, este o Antonio Pedro que conheci!
Alto, branco, corado, não era um homem bonito, mas sua graça, sua verve faziam dele uma pessoa engraçada. Todos gostavam de Antonio Pedro! Que bom tê-lo por perto!
Foi comerciante arrojado na Nova Cruz de seu tempo. Na sua mercearia, “O Barateiro”, tinha de tudo. Recordo, menino ainda: charque, que naquele tempo chamava–se carne do Ceará , pimenta-do-reino, louro, cuminho, colorau, erva-doce, boldo, alho, cebola, verdura, frutas, cachaça, zinebra, cujo tira gosto se fazia com cravo, conhaque Macieira, vinho tinto, açúcar bruto, farinha de mandioca de Brejinho ou de Montanhas, bacalhau, sardinha, peixe-avoador, feijão, enxofre, mulatinho, ou macassar, fava, macarrão, arroz, sal, café em grão ou moído, dendê, óleo-de-piqui, rede-de-dormir, urupemba, bule, coca-cola, chaleira, grelha, fumo-de-rolo, cigarro de palha, charuto, cachimbo, chapéu de luxo, marca Ramenzoni, corrente de armar rede, corda, panela de barro e de alumínio, milho, caldeirão, cobertor, toalha de banho e de mesa, lençol de cama, peixeira, enfim, um ancestral do que hoje se chama super-mercado.
Viúvo, casou-se, em segundas núpcias, com minha prima Clotilde ou Tide como a chamávamos. Ela era 30 anos mais moça do que ele. Muitos pensavam fosse sua filha.
Antonio Pedro começou a trabalhar cedo. Ajudava o pai, o marchante João Pedro, matuto muito conhecido no lugar. Nasceu na Passagem, um lugarejo perto de Nova Cruz, já em território paraibano, próximo à divisa dos dois Estados.
Deu-se bem nos negócios, ganhava muito dinheiro, chegou até a emprestar dinheiro a juros aos ricos e aos empregados da estrada de ferro da Great-Western. Era dele que se socorriam também, os viciados no jogo de baralho ou da roleta. Isso lhe seria fatal no futuro, a sua ruína. Os que lhe pediam dinheiro, não lhe devolviam. Terminou falindo.
Lembro de sua casa, na Rua do Adivinhão, pequena, modesta, sem luxo. Recebia-nos com alegria. Sua mesa era farta. Comida era o que não faltava. Dava para quem quisesse.
De manhã cedinho, ia ao curral de Zé Abdon, tomar leite ao pé da vaca. Eu o acompanhava nesses passeios. Como era asmático, minha prima me dava mastruz, com leite. Quando ele voltava, servia-se de um prato de coalhada. Dizia que o melhor desse alimento era o soro; dava sustança. Comia bem Antonio Pedro!
Na mesa, para o café da manhã, leite fervido, pão assado com nata, tapioca, bolacha regalia, cuscuz seco ou molhado, bolo, carne de sol na grelha, com inhame, batata-doce ou macaxeira.
Eu gostava também de ficar na mercearia, a observar o movimento, o vai-e-vem dos fregueses. Antonio Pedro dizia gracejos para os clientes, conquistava-os assim. Ia de vento em poupa o seu comércio.
Relembro-o próspero, de charuto na boca, um grande relógio de algibeira, a mexer no cofre, abarrotado de dinheiro. Eram cédulas de todos os valores, cheques e notas promissórias, enfim, uma espécie de banco para os outros. Depois, tudo mudou. Veio a falência.
Viveu os seus últimos dias de uma minguada pensão do INSS. Não fosse a mulher, que lavava roupa para fora, teria sido pior. No auge da prosperidade, tirava ela, escondido, o dinheiro resultante do lucro diário. Fazia, com isso, uma poupança forçada. Pôde, por fim, comprar uma casinha no Alto de São Sebastião. Não fosse esperta, teriam certamente, ela e os filhos, ficado no meio da rua. Era uma mulher de fibra, essa minha prima!
Com a ajuda dos parentes, mudou-se para Natal. Aí viveria pouco tempo. Com idade avançada e doente, começava já a dar sinais de esclerose. Chorava e se lamentava muito. Não se conformava com o que perdera, com a sua decadência!
Eu, às vezes, ficava perto dele, solidário com a sua tristeza. Tentava consolá-lo. Era meu compadre e amigo. Pedia-me, aos prantos, não deixasse sua família desamparada. Sentia-se humilhado, desprezado. Achava que as pessoas não ligavam mais para ele; tinham vergonha dele.
Na sua casa, antes, nada lhe faltava e a todos acolhia. Ajudou a muita gente e não foi correspondido. Grande era o seu desgosto! E eu tinha pena dele!
Voltou para Nova Cruz; piorava seu estado de saúde. Queria morrer no lugar onde sempre vivera.
Quando de seu falecimento, fiz questão de ir ao enterro; seria essa a minha última homenagem a quem tanto merecia. Ele que tanto dinheiro tivera e emprestara, morria, assim, sem poder, ao menos, custear seu funeral.
Foi o Prefeito Luizinho Moreira quem doou o caixão. Padre Normando Delgado, seu compadre e amigo, fez questão de celebrar a Missa de Corpo Presente. A sua amizade com Antonio Pedro datava ainda dos tempos de seu pai, o Tabelião Alberto Delgado, o Ex-Prefeito José Peixoto Mariano, foi o único homem público do lugar a estar presente ao sepultamento. Não esquecera do que representou para o comercio de Nova Cruz, aquele estimado cidadão.
E durante o trajeto, rumo ao cemitério do Curimataú, eu me perguntava do porquê daquilo tudo, do que eram as coisas da vida. Aquela