* Marcos Garcia
Quando você começou a desenhar?
Desde garoto, como todo mundo. Mas com interesse mesmo em me aprimorar, aconteceu no início dos anos 90. Mas ainda não havia planos de fazer isso como meio de vida.
Quais foram os trabalhos no início?
Profissionalmente o início foi com algumas cartilhas para o Ministério Público como “Aprendendo a ser Cidadão”, estatuto do idoso, essas coisas. Depois disso foram surgindo alguns pequenos trabalhos independentes para autores e pequenas publicações americanas.
Ficava variando entre esses trabalhos, histórias pornôs para uns sites de putaria e ilustrações para uma bíblia infantil de uma editora evangélica.. Esses dois últimos eu trabalhava ao mesmo tempo. Numa parte do dia fazia o pornô, na outra a bíblia. Com o mesmo lápis. Fico pensando que se a editora soubesse eles teriam surtado. Gosto desse pensamento.
Teve alguém aqui de Natal que te influenciou no inicio, deu algumas dicas?
Não, ninguém. Quando comecei a me interessar por desenho (quadrinhos especificamente) eu já estava sendo influenciado pelos artistas americanos e não conhecia nenhum artista daqui. Só passei a conhecê-los quando comecei o contato com o pessoal da Reverbo, pois havia alguns encontros e esses artistas apareciam às vezes.
Como foi o início da sua carreira? Desde que você trabalhava com quadrinho nacional independente até conseguir trabalho internacional.
Foi difícil (grande novidade, né?). Não fiz muita HQ nacional no começo. Digo, não produzi muito nem tinha grande alcance. Desenhava as histórias da Bio 47, do pessoal da Reverbo, que eram lançadas aqui em Natal mesmo e tentava bolar minhas ideias pra minhas próprias histórias. Quando começaram a aparecer esses pequenos trabalhos independentes nos EUA, comecei a focar nisso. Eram trabalhos que pagavam pouco, mas usei toda a experiência pra aprender a fazer HQ e desenvolver o inglês. Fui estreitando o contato com os autores e comecei a arriscara procurar trabalho. Antes o Lula Borges fazia uma espécie de agenciamento. Esse agenciamento não era profissional, era na base do improviso mesmo.
Então, com os contatos que eu já tinha e com uma ajuda do site Digital Webbing – onde eu arranjei muitos trabalhos – fui vivendo, vale salientar, com toda a dificuldade do início, como qualquer outro artista. Não pagavam como uma editora grande, mas tive sorte nessa parte. Todos com quem trabalhei cumpriam o acordo e pagavam direito, o que me dava motivação pra continuar a trabalhar.
E também houve vários projetos nos quais trabalhei que jamais viram a luz do dia, seja porque o autor não conseguiu uma editora ou simplesmente o autor deixou engavetado mesmo depois de estar pronto ou por outro motivo qualquer.
Algumas vezes batia o desânimo, claro, porque sempre que eu terminava um trabalho, havia a incerteza de não arranjar outro logo. Mas eu fazia de tal forma: Mesmo que estivesse trabalhando em algum projeto, eu continuava procurando por trabalho no Digital Webbing e com outros autores e já deixava o próximo trabalho engatilhado.
Sobre a produção internacional, qual foi seu primeiro trabalho publicado nos EUA?
Eu considero como o primeiro publicado a série curta chamada THE UNDERTAKER’S DAUGHTER, escrita por Eric Palicki. Apesar de não ser impresso, pois foi publicado no blog dele, foi aí que outras pessoas começaram a ver meu trabalho.
Eu sigo com a parceria com Eric até hoje. Fizemos várias outras coisas como pitchs para editoras e histórias curtas para uma ou outra publicação. Uma das minisséries que fizemos, ATLANTIS WASN’T BUILT FOR TOURISTS, foi publicada através do Kickstarter. Uma outra mini que iniciamos com o nº 1 como pitch, foi aceita pela AHOY COMICS. Estou nesse momento trabalhando na edição #3 de 5.
Mesmo com os trabalhos com Eric, continuei procurando por outros projetos e trabalhei em algumas edições de PAULA PERIL, publicada pelo Atlantis Studios. Depois trabalhei em um reboot de THE INVISIBLE SCARLET O’NEIL, com roteiros de Russel Stamm Jr. (uma personagem dos anos 40, publicada na Famous Funnie e em seu título próprio).
Com outros dois autores que conheci, chamados Mike Gordon (Mike havia me oferecido o trabalho em Invisible Scarlet O’Neil antes) e Bobby Nash, eu trabalhei na graphic novel STRONG WILL.
Em 2012 comecei a ser agenciado pela Space Goat, uma agência americana. Daí eu comecei a trabalhar numa série publicada pela IMAGE COMICS. BLACKACRE era o nome da série. Durou 11 edições. E saí da agência pra me virar sozinho.
Depois do término da série, com Bobby Nash, eu trabalhei em uma edição da DOMINO LADY, publicada pela Moonstone.
Sei que atualmente você tá desenhando o FANTASMA, conta pra gente como é isso, sei que você é fã do personagem…
Sim, sou fã. É uma parte do sonho de ser quadrinista que foi realizada. Sou fã desde pirralho. Meu pai que me trouxe as primeiras revistas do Fantasma pra eu ler. Aquela coisa do uniforme vermelho, a selva, a figura do herói mascarado… Tudo isso foi mexendo comigo. E era uma época em que meu pai me levava aos sebos do Alecrim pra trocar as revistas. Imagine então que era começo dos anos 80 e que ainda dava pra se achar muitas edições antigas do Fantasma (e outros títulos também) da década de 70, 60 e até 50.
Era uma maravilha. Então eu passei a desenhar o Fantasma diariamente. Claro que naquela época nem me passava pela cabeça desenhar o personagem profissionalmente. Eu nem sabia como se fazia HQ’s.
Eu não sei explicar bem… Se por um lado é uma diversão, empolgante, me delicio imaginando a sequência que vou desenhar, por outro o medo de fazer cagada é grande. Mas, óbvio, é inevitável cometer erros e eu os cometo e nem sempre a página ou painel sai como planejei. Mas é algo com o que a gente aprende a conviver. Eu levo um tempo pra me acostumar com o personagem, a escrita do autor, enfim… Ficava nervoso quando começava uma página de Requiem. Mas a coisa foi fluindo.
No segundo roteiro que recebi continuei nervoso, cometi erros novamente, mas já estou mais confortável. É muito empolgante quando eu faço uma cena que gosto.
Terminei esse segundo roteiro (de duas partes), chamado THE ADVENTURE OF THE DRAGON’S LEG, que é uma continuação de uma história do Fantasma da década de 70, se não me engano.
Logo, logo volto a desenhar o personagem novamente.
Que outros artistas influenciaram a sua arte?
Eu tinha falado sobre isso em uma outra entrevista… Somos uma esponja, né? Vamos absorvendo um pouco de cada com o passar dos anos. São muitos artistas dos quais eu gosto… E que me influenciaram de alguma forma. Não que eu reconheça o traço deles no meu, mas algo eu absorvi. De Ray Moore, Sy Barry, Mike Mantley, Graham Nolan no Fantasma a Garcia López, Mozart Couto, Watson Portela, Sean Gordon Murphy, Stuart Immonem… arre, são muitos.
Fale um pouco da parceria com Jamal Singh na produção da trilogia BOCA do LIXO.
É bastante tranquilo. Nos conhecemos há anos e com isso fomos criando uma forma de nos eneitendermos na produção dos quadrinhos. Não temos melindres um com o outro, costumamos falar um para o outro se há algum problema com o texto ou desenho, embora, claro, a gente se bata vez ou outra por conta de algum ponto na HQ. Ele por vezes se inspira demais em Alan Moore que só escreve e o desenhista que se vire pra achar as referências. E eu mando um ”VTNC e me envie a porra dessa referência”.
Diferente de outros roteiristas que me enviam o roteiro completo, com Jamal funciona diferente. Até tentei fazer com que ele entregasse um roteiro completo, mas isso só fez com que ele travasse. Então fomos percebendo que da maneira não-usual funcionaria melhor… Ele escreve um capítulo, eu leio, começo a desenhar, mudo alguma coisa nas páginas (porque eu quero. Simples assim.), ele vai vendo o desenho e reescrevendo toda a página ou adaptando o texto para o que eu mudei… Às vezes eu desenho antes pra que ele possa escrever… E vamos montando a história.
Mas fazer os álbuns da Boca é muito empolgante. Foi um material que empolgou desde o começo, quando ainda tinha outro nome e conceito. Estamos trabalhando o terceiro volume agora, tentando dar um fim digno para os três personagens.
E O Cajun ? Algum plano? Novas aventuras?
Ai, Cajun. A gente tem de terminar a segunda parte antes de ter planos. Na verdade a história de Cajun – Michel Meliés – termina no segundo volume mesmo. Foi planejado pra ser uma história fechada para lançarmos no FIQ de 2013. Como estava muito em cima do dia de viajarmos, dividimos a história em duas pois eu já tinha 50% das páginas prontas para podermos terminar a tempo do FIQ. Daí o tempo passou, tivemos outras ideias e fomos postergando. Muito desse atraso em terminar foi culpa minha. Jamal já tinha terminado o roteiro. Quando fui pegando novos trabalhos, fui deixando Cajun de lado. Mas vou criar vergonha na cara e terminar a segunda parte até o fim do ano que vem.
Você é autodidata no desenho, certo?
Sou. Quando garoto eu não sabia onde fazer cursos de desenho e meus pais, por serem pessoas muito simples, não atentaram pra essa minha habilidade. Quando tive um pouco mais de idade descobri o curso do Instituto Brasil, por correspondência. Cheguei a fazer algumas aulas. Mas era um saco ter de ficar enviando os exercícios pelos correios e esperar pelas correções… Desisti nas primeiras lições. Mas fui procurando por livros nas bibliotecas dos colégios, nas bancas quando algo desse gênero era publicado. Alguns anos atrás entrei em um ateliê e voltei a estudar desenho como sempre quis e deveria ter feito.
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