*Alexsandro Alves
Câmara Cascudo será para sempre o berço de nossa tradição literária potiguar, de nossa cultura e de nosso espírito enquanto povo, enquanto potiguar. Lembrar seu nome é honrar a nossa ancestralidade ibérica, africana e indígena, é celebrar o que nos torna o povo mais especial desse planeta: a democracia cultural e racial que permeia nossa biologia.
Cada um de nós carrega levemente o peso histórico da miscigenação única que só ocorreu por estas terras brasílis porque o português sempre foi um cosmopolita, esses argonautas legítimos, dos quais o nosso sangue presta testemunho! E Cascudo honrou como nenhum outro brasileiro esse legado de conquistas e miscigenação.
Cascudo é a alma do Brasil.
Escrever sobre esse homem poderoso, sobre esta potência única, é sempre um feito digno de nota, pela importância incontornável de sua obra. Cascudo é um marco, o Brasil e nós, potiguares em particular, seríamos muito pobres sem sua obra dedicada, profunda e histórica. E por mais que dele ouçamos, sempre ele deve ser, por respeito e por tradição, apresentado.
Pois bem. Terminadas as apresentações, vamos passar para o livro de Adélia Costa, poetisa, cordelista, xilogravurista e presidente da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins e também membro da UBE/RN. Seu livro de estreia A vida e obra de Câmara Cascudo em – … Carroça caída: uma contação de história na feira, (SPVA/RN, 2024), é uma narrativa que permeia o cordel, a poesia popular e a contação de história sem se fixar em nenhum desses gêneros, é uma obra, do ponto de formal, sui generis, cheia de valor próprio e estilo pessoal, que a autora admite pode até não ser um cordel legítimo, mas é uma obra poética fruto de muito trabalho, “aperrei”, e busca da autora. Não espere coisas seriosas aqui, mas confie que o que a autora entrega é humor de primeira linha.
O tom é sempre de diversão, sempre descontraído, como toda obra de poesia popular, tem mesmo o tom de cantador de feira e nos prende pela generosa e despretensiosa alegria com a qual a autora sabe transbordar em cada uma de suas páginas. Adélia refinará essa escrita popular, a inspiração genuína desse primeiro livro assim demonstra, assim como é prazeroso ler nas entrelinhas e amiúde quando a autora cita ditados populares, causos conhecidos, entre algumas estrofes da obra. Vale a leitura e uma segunda leitura, ou outra se você preferir, porque a obra é bem cuidada, bem escrita e bem humorada. Além disso, ainda temos a satisfação de apreciar mais um talento da autora desde a capa: uma xilogravura produzida por ela dá entrada à obra.
O livro é muito bonito visualmente, a xilogravura retrata Cascudo, o coisa-ruim e o vendedor de cordel, um personagem criado pela autora para a obra. A xilogravura, emoldurada por um tom de rosa, captura o espírito do que leremos ao abrir a primeira página. E entre sextilhas e quadras, adentramos logo no negócio: Atenção, Dona Maria! / Atenção, Doutor José! / Que nas Rocas tem tudo / Canguleiro e jacaré/ Tem samba do vagabundo/ Peixe fresco da maré! E então somos mergulhados no ambiente de nossas raízes evocado pela escritora.
Apreciei essa leitura nova com muita satisfação e alegria, não sabia o que esperar e a autora conseguiu fisgar minha atenção página após página. Recomendo pela leveza e sinceridade, sobretudo essa última qualidade, tão essencial para quem escreve, Adélia Costa coloca em cada estrofe de sua obra. Se por vezes, bem poucas mesmo, há uma certa quebra no ritmo, na maior parte do livro a leitura é direta, franca e agradável. Parabenizo Adélia Costa por essa obra imaginativa e divertida.
O livro possui 68 páginas e a história é dividida em sete atos. As orelhas são da cordelista Geralda Efigênia, com prefácio da professora Francisca Freire da Costa.