*Francisco Alexsandro Alves
Hoje transformado em iguaria gourmet e harmonizado com uma infinidade de outros alimentos, o cuscuz tem origem modesta e esteve associado, em tempos pretéritos, às negras anônimas que, trazidas da África para o Brasil, povoavam as feiras, as esquinas e as cozinhas dos sobrados e casas-grandes coloniais.
Este alimento, que produz um prato sui generis, que pode ser doce ou salgado, tem sua origem entre os árabes e chegou em Portugal pela África e então aportou no Brasil. A origem do nome é árabe, da região do Magrebe, norte da África, e originalmente se escreve k’seksu, que, segundo a tradição árabe, é o som que a cuscuzeira produz quando a farinha de milho está pronta. Do k’seksu árabe chegamos ao cuscuz brasileiro a partir de uma variante francesa da época em que a Argélia foi colonizada pelos franceses, o couscous. Mesmo chegando no Brasil por iniciativa portuguesa, o cuscos, como é conhecido em Portugal, se popularizou no Brasil a partir de uma variante de um termo francês.
Sua entrada no Brasil foi pela porta dos fundos: considerado alimento de gente pobre, sua inclusão entre a gente mais abastada deu-se aos poucos. Inicialmente, fazia parte do receituário de todas as parturientes. Acompanhado obrigatoriamente de galinha, o cuscuz, em forma de pirão, tinha como missão reestabelecer as forças da mulher após o parto. Fora ocasiões como essa, comer cuscuz era desencorajado entre a classe mais elevada. Esse preconceito colonial devia-se ao fato de que o cuscuz sempre esteve relacionado ao povo africano. Ainda hoje, em Portugal, há regiões que não conhecem o prato, talvez por um processo de apagamento, porque na época em que o Brasil entra na rota da Coroa Portuguesa, o cuscos era bastante popular na península ibérica. No entanto, o pirão de cuscuz nunca foi popular no litoral brasileiro, sendo um alimento da gente de regiões mais afastadas, como o sertão.
No Brasil, a rota do cuscuz é, por um lado, o caminho da sobrevivência dos miseráveis e por outro, quando por fim é aceito na casa-grande, uma odisseia de experimentações que dura até hoje.
Entre o povo nordestino mais humilde, o sertanejo, havia uma oposição entre o cuscuz e a farinha de mandioca. A família que tivesse em sua cozinha o milho para preparar a farinha que se transformaria em cuscuz, estava bem. Ao passo que se faltasse milho e a mandioca predominasse em forma de farinha, a família estava passando necessidades.
É exatamente no nordeste brasileiro que o cuscuz ganhará as infinitas variedades que o tornam, sem dúvida, o prato mais amado por nós. Do cuscuz com leite, com manteiga da terra ou leite de coco ao cuscuz acompanhado de carne de sol ou queijo coalho, a iguaria é de um sabor sem dúvida alguma, reconhecidamente nosso, nordestino.
Nenhum prato é mais representativo de nossa gente e de nossa alma nordestina, nem mesmo a macaxeira com carne de sol de Mamanguape!