*Franklin Jorge
Natal, historicamente pródiga em poetas e carente de dramaturgos, conta nos dedos de uma mão seus verdadeiros talentos nesse gênero que requer, além de fluência oral, velocidade, domínio do tempo e do espaço para a criação de uma obra capaz de envolver e convencer o espectador geralmente muito exigente com a produção local e complacente com tudo o que vem de fora.
O primeiro dos nossos autores dramáticos terá sido, sem dúvida, o tardo-condoreiro Segundo Wanderley, autor de pelo menos dois dramas célebres, A louca da montanha, encenadíssimo em picadeiros mambembes por mais de cinquenta anos, e Brasileiros e Portugueses, escrito em fins do século dezenove para exaltar laços que unem supostamente as duas nacionalidades. Foi sucedido, nesse gênero de escrita, pelos sobrinhos Ezequiel e Sandoval, aquele, autor de Mortalha de Rosas, popularíssimo em sua época; este, mais diretor do que autor, escreveu comédias que fizeram rir os natalenses até a sua morte, em 1972, como Será o Benedito? e Taberna Azul. José foi o único Wanderley a alcançar algum êxito duradouro nos palcos cariocas com suas comédias de costume levadas à cena em teatros comerciais por mais de duas décadas. São autores que hoje pertencem à arqueologia do teatro
A geração subsequente teve o cearamirimense Meira Pires, que fez de tudo para ser reconhecido como autor teatral, sem lograr êxito, apesar de ter ocupado por algum tempo o cargo de diretor do Serviço Nacional do Teatro, graças ao apoio recebido do senador conterrâneo Dinarte Mariz. Sua obra mais importante terá sido a reforma do nosso Theatro Alberto Maranhão, do qual foi por grande parte de sua vida o diretor, um tirânico e competente diretor, inteiramente dedicado à sua conservação e integridade de um dos nossos monumentos arquitetônicos mais belo que presta homenagem ao estilo Art Nouveau.
Newton Navarro, artista de múltiplo talento, enquadra-se em sua geração como uma promessa, seguido de reais talentos, Racine Santos, Águeda Ferreira e o ainda inédito da prova do palco, Josean Rodrigues, nascido em Mossoró, em minha opinião o maior de todos.
A todos esses talentos, do passado e do presente, vem se juntar agora, numa surpreendente performance dramática, o inquieto Carlos de Souza, meu ex-colega de redação na Tribuna do Norte, doublé de jornalista, cronista, ficcionista, poeta, professor universitário, editor e, agora, dramaturgo. Um dramaturgo, ainda incipiente no manejo da carpintaria teatral, Carlos de Souza se faz notar logo de entrada, especialmente por seu engenho construtivista e por mostrar-se possuidor, em alto grau, dessa espécie de timing requerido pelo teatro. Creio que são estes quatro nomes que constroem o teatro moderno no Rio Grande do Norte e sobre os quais ainda muito há de se escrever, desde que não o seja dito por quem não entende do assunto.
É tudo fogo de palha, que acaba de sair em livro, conquista para Carlos de Souza um lugar próprio entre os nossos dramaturgos do passado e do presente. Seja por sua verve e histrionismo, seja pela originalidade com que se impõe como autor, ao colocar no palco a história mesma do teatro produzido em Natal desde a sua origem, ao ar livre e naquele famoso teatro coberto de palha; uma história contada pelos próprios personagens que fizeram a história, entre as quais, Maria Epifânia, nossa primeira atriz, que o mestre Cascudo já conheceu bastante velha, frequentando os ensaios das peças levadas à cena por denodados amadores Uma figura venerada por aqueles moços que a sucederam nesse mister. E o Alferes Rolim, figura arbitrária e sinistra que aterrorizou a cidade ao tempo da guerra do Paraguai, prendendo os jovens que iam ao teatro, para mandá-los servir na frente de batalha…? E o governador da província…? Todos saídos diretamente da história da cidade, pelas mãos de Carlos de Souza, para a magia do palco, em meio a grande festança popular que é Natal.
Diante de estreia tão auspiciosa como dramaturgo, espera-se de Carlos de Souza que continue escrevendo e produzindo novos textos para o teatro, com a necessária correção e maior exigência em relação ao que costumamos chamar de carpintaria dramática. O teatro, certamente, será grato ao seu indiscutível talento criador.