*Franklin Jorge
Em meio a esse tremendo cavalo-de-pau, uma coisa não me passou despercebida: a pandemia mudou velhos costumes e fez-nos gostar mais de nossas casas. Aprendemos assim a nos reprogramarmos em nossos costumes e hábitos, como encontrar mais motivos para ficarmos em casa.
O ruim é que parece todos nós tivemos o mesmo desejo e pendemos em maioria para o mesmo lado, ficarmos em casa, apesar dos hábitos.
Somente notei após aposentar-me que durante grande parte de minha vida passei mais tempo fora do que dentro de casa e não o percebi. Sentia, é claro, falta de alguma coisa. De um habito. Talvez, sem que o soubesse, o hábito de ficar em casa, um lugar sem maiores atrativos além de minha cama, meu quarto e banheiro. E também às vezes em que podia, ir à cozinha sem dar satisfações; tomar um café de madrugada; um chá; um chocolate quente e às vezes, para convocar o sono, uma taça de vinho tinto, ou intentar encontrar um papel, um livro, uma conta a pagar; verificar os suprimentos, como um bom dono de casa que fui sem dar-me conta, apesar de advertências de amigos como Camilo [Freire Barreto], que me dizia, ao visitar-me, que em vez de uma mera casa, tenho um lar; e Edilson [Alves de França], que toda vez se surpreendia com a funcionalidade de minha casa, onde lhe agrada ir. Um legado de minha avó, que pensava nos seus. por muito tempo, antes de aposentar-me e de ter meus recursos diminuídos, renovava toalhas e lençóis com frequência. Agora, já me privo de uma taça de vinho tinto, à noite, algumas horas antes de deitar-me. Uma sentinela contra a insônia. Porém não durmo sem contar meus gatinhos, como um pai amoroso faz com os filhos.
Talvez a pandemia tenha implementado hábito inverso, o de ficar em casa, após uma vida inteira longe dela, pelo menos, 16 ou 20 horas por dia. A aposentadoria, que me trouxe de volta para dentro de casa, agravou-se com a pandemia que nos fez procurar novos hábitos como uma forma de ascese.
Os cadernos de Jorge Antônio
[Fragmento de diário íntimo, inédito]
Foto Estúdio de Franklin Jorge
Pitimbu, 2022.