*Fleur Jaeggy
Aos quatorze anos eu era estudante em um internato em Appenzell. Lugares onde Robert Walser tinha feito muitas caminhadas quando estava no asilo, em Herisau, não muito longe do nosso instituto. Ele morreu na neve. Há fotografias mostrando suas pegadas e a posição de seu corpo na neve. Não conhecíamos o escritor. Nem nosso professor de literatura sabia disso. Às vezes acho bonito morrer assim, depois de uma caminhada, cair numa cova natural, na neve de Appenzell, depois de quase trinta anos de hospício em Herisau. É uma pena que não soubéssemos da existência de Walser, teríamos colhido uma flor para ele. Kant também, antes de morrer, ficou comovido quando um estranho lhe ofereceu uma rosa.
Em Appenzell você não pode parar de andar. Se você olhar para as pequenas janelas com listras brancas e as flores laboriosas e incandescentes nas varandas, você percebe um paraíso tropical, uma luxúria contida, você tem a impressão de que algo serenamente escuro e um pouco doentio está acontecendo lá dentro. Uma Arcádia da doença. Pode parecer que por dentro haja paz e idílio de morte, na pureza. Uma exultação de limão e flores. Do lado de fora das janelas a paisagem nos chama; não é uma miragem, é uma zwang dizia-se na escola, uma imposição.
Fleur Jaeggy
Os belos anos de castigo
Tradutor: Juana Bignozzi
Editora: Tusquets
Foto: Fleur Jaeggy