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Uma feminista nada histérica

Escritora e educadora notáveis, influenciada pelas ideias da feminista inglesa Mary Wollstonecraft [1759-1797] que lutou pelos direitos da mulher, Nísia Floresta foi difamada e esquecida pelo RN. Reproduzido do Monitor Mercantil.

*Wagner Cinelli de Paula Freitas

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Nasceu em Papari, no Rio Grande do Norte, no início do século 19. Intelectual, poetisa e educadora, Dionísia Gonçalves Pinto foi a primeira escritora feminista brasileira. Aliás, feminista, abolicionista e republicana. Uma alma luminosa que elegeu como objetivo de vida a luta contra os pensamentos obtusos de sua época e, para divulgar mais livremente suas ideias, então consideradas radicais, usou pseudônimos, dentre eles Nísia Floresta Brasileira Augusta ou, como preferia, simplesmente Nísia Floresta.

Tinha 22 anos quando de seu primeiro livro, Direito das mulheres e injustiça dos homens, publicado em 1832. Escreveu vários outros e, no Rio de Janeiro, fundou o Colégio Augusto, uma instituição de ensino para meninas que, além das prendas do lar, lecionava disciplinas constantes dos currículos das melhores escolas da época e que só admitiam meninos. Rivalizar academicamente com essas escolas rendeu-lhe críticas, sempre recheadas de preconceitos. Depois se mudou com a família para a Europa e seguiu escrevendo.

Em Opúsculo Humanitário, lançado em 1853, Nísia nos leva a um passeio pelo papel da mulher ao longo da história e nas diferentes culturas. A obra clama pela emancipação das mulheres e pela universalização da educação. Registra que, quanto mais acesso à educação têm as mulheres, mais avançada é a sociedade.

Em seguida, eleva seu olhar para o porvir, consciente de que a grande caminhada se faz de incontáveis passos: “A esperança de que, nas gerações futuras do Brasil, ela assumirá a posição que lhe compete nos pode somente consolar de sua sorte presente”. Elege como paradigma do seu trabalho de construção o “pobre e corajoso explorador de nossas virgens florestas, exposto aqui e ali à mordedura de venenosos répteis, para rotear um campo que outros terão de semear e de colher-lhe os saborosos frutos”.

Passados quase 2 séculos desde o primeiro livro de Nísia, números sobre o ano de 2019 da Pnad Contínua, do IBGE, revelam que 51% das mulheres passaram a ter pelo menos o ensino médio completo, enquanto esse percentual foi de 46,3% entre os homens. A pesquisa indica que ambas as proporções têm apresentado aumento desde 2016 e que é mais acelerada entre as mulheres.

Considerada a faixa etária de 25 anos ou mais, 17,4% da população brasileira concluiu curso superior, com predominância das mulheres tanto em números absolutos quanto em relativos. O estudo mostra também que o acesso à graduação superior é ainda maior entre as mais jovens. Portanto, a tendência é que, com o passar do tempo, muitas mais mulheres concluam curso universitário.

A educação, outrora disponível a eles e interditada a elas, é agora direito de ambos. Educação, porta para a igualdade de gênero. Educação, que propicia a participação das mulheres no mercado de trabalho e o seu acesso a postos importantes. Participação essa que leva ao empoderamento da mulher, a resultar na melhor partilha do poder e, assim, em uma sociedade com menos violência de gênero.

Nísia Floresta sabia disso e lutou por isso. No campo do direito das mulheres à educação, foi como aquele intrépido desbravador que tinha ciência de que não veria o resultado de sua ação no seu próprio tempo. Não atua no interesse individual, mas no plano coletivo. Não faz por si, mas pelos que vêm depois.

Pioneira que foi, é conhecida das feministas. Mas precisamos de mais feministas, homens e mulheres. Só então frutificará, em sua plenitude, a semente plantada por Nísia, que deve ser, como merece, visível ao público em geral e, ainda que com atraso, reconhecida como heroína nacional.