*Franklin Jorge
Ontem fui ao encontro de uma querida e ex-colega de trabalho no Solar Bela Vista, onde nos conhecemos há mais de trinta anos e desde então nunca mais nossos espíritos se apartaram. Mulher fina e elegante, já octogenária e cheia de vida, sentimo-nos, desde que nos conhecemos, muito à vontade um com outro. Caicó a doou a Natal, onde ela se fez conhecida, admirada e respeitada por seu talento e inteligência notáveis e por seu trabalho voltado para a difusão do artesanato e das artes manuais.
Refiro-me a Ida Oliveira, com quem, por algumas horas entretecemos a arte da conversa, como ela própria, refinadíssima. Quedei-me, sentado ao seu lado, num daqueles bancos do Midway Mall a ouvi-la e a desfrutar de sua grande experiencia e percepções duma realidade que dói em todos nós. Ela estava indignada com a pobreza moral e intelectual de nossos políticos e as privações dos nossos cidadãos sempre na godela de um naco de esperança
Sem dúvida alguns nomes não podiam estar ausentes dessa conversa fluente e eivada de perspicácia. Como os da governadora e do ex-prefeito de Natal, a quem atribui a circunstância calamitosa que percebemos na ausência de lideranças capazes de tirar o Rio Grande do Norte do buraco em que, por displicência de seus eleitores mal informados, se meteu no curso das últimas eleições. Em consequência, desemprego, falências, queda do Produto Interno Bruto, atraso e aflição. Misérias que se refletem, de uma forma ou outra, na vida de todos.
Quero dizer-lhe quanto concordo com o que tem escrito sobre Carlos Eduardo e Fátima Bezerra, diz-me. Suas análises, fugindo ao lugar-comum e às mesmices que há anos temos lido, saídas da pena de articulistas que apesar de se fingirem de imparciais e altivos, bem sabemos que não passam, para quem sabe olhar e ver, de ventríloquos de seus próprios interesses. Quem, dotado de algum bom-senso, acreditaria no que escrevem ao se fingirem de especialistas? A verdade que prezamos não vem da caneta, mas do caráter e da maneira como nos portamos.
Dizendo-se diferente da maioria, mas não deficiente de entendimento, tem olhos não apenas para ver, mas para enxergar à sua volta, o que a seu ver faz a diferença. Afinal, a política é um de seus temas prediletos. Ao ler o que tem escrito e publicado – afirma -, sinto que percebemos a realidade de uma forma que foge ao convencional; não nos deixamos anestesiar por frases feitas nem pelas mesmices que articulistas como Vicente Serejo repetem sem convicção. Ninguém descreve e interpreta os fatos corretamente sem desagradar. A Bíblia e a vida nos ensinam que não é possível servir a dois senhores, aos políticos e ao povo. Escrever, sem ferir susceptibilidades, é engodo. Gasta-se, aqui, muitas palavras para não se dizer nada ou apenas para repetirmos o que há muito estamos cansados de saber…
Para Ida a pandemia, de alguma forma, transformou e redimensionou a realidade. Trouxe vantagens e desvantagens para todos. No meu caso, confessa, mais desvantagens, pois, por temperamento, sou ativa e tenho iniciativa. Além do mais, não conheço o medo nem a preguiça que parece fazer parte do tecido moral dos potiguares. Principalmente dos que nos governam.
A pandemia fomentou, além da miséria, o crime, que se generalizou. Nunca se roubou tanto, nunca fomos tão escorchados por políticos e governantes, pondera, indignada com a vileza duma classe que vive às custas do sofrimento de tantos. Hordas de ladrões se organizaram em consórcios para se aproveitar de recursos vultuosos que o Governo Federal destinou ao combate à pandemia e à prevenção da saúde. Tudo escorreu impunemente pelo ralo, até agora, pois as leis já não se prestam a fazer valer a ordem das coisas. Grande parte do nosso povo, por causa da pandemia, está desempregada e passando fome. Antes disto nunca tínhamos visto pedintes nas portas dos supermercados. Agora há filas de pessoas famintas à espera das migalhas que por ventura possam cair da mesa dos poderosos.
Não sou mulher que se deixe amedrontar pela realidade. Porém, na pandemia, fiquei sem me comunicar, algo, para mim, de suprema importância. Mas, por outro lado, isolada em casa, trabalhei. Nunca trabalhei tanto. Nunca, em toda a minha vida que foi sempre de muito trabalho, costurei, bordei, pintei e criei tanto. Cheguei a quebrar a máquina de tanto costurar. E, quebrada a máquina, não parei de costurar: passei a costurar tudo a mão, como se fazia antigamente, antes da criação da máquina de costura. Produzi um grande estoque de coisas lindas. Executadas com exigência de qualidade; exigência que por toda a minha vida procurei incutir em minhas alunas nos cursos que ministrei. Você viu isto no tempo em que trabalhamos para o Sesi, no Solar Bela Vista; eu, cuidando da prática e difusão do artesanato de qualidade; você, às voltas com a produção de eventos que pudessem melhorar a qualidade da cultura e instruir as pessoas no verdadeiro conhecimento da cultura que se faz com esforço e abnegação. Acho que isto nos aproximou e criou entre nós esses laços que perduram há 40 anos. Estamos unidos pelo amor à cultura.
Morando sozinha, desde que perdeu a companhia de um jovem sobrinho levado pela morte, após o que perdeu também o seu cão de estimação, dedica-se agora apenas aos seus trabalhos de criação e aos cuidados do jardim, cultivado na lateral do condomínio onde reside há duas ou três gerações, à avenida Airton Sena. Alguns dos que a conhecem a acham excêntrica, por seus gostos e exigências nada convencionais, como tecer, cozer e bordar à mão sua própria mortalha suntuária, digna de uma rainha, que ela não pretende estrear tão cedo.
Jantar em sua casa tem sido privilégio de poucos, como já me ocorreu, põe em relevo mais um de seus incríveis talentos. Lembro-me especialmente de uma sopa improvisada, bem servida em sua louça, na pequena e agradável sala de seu apartamento adquirido com o suor de seu rosto.