*Franklin Jorge
Recentemente, aqui mesmo na blogosfera, deparei-me com uma senhora de 86 anos, portadora de câncer no cérebro em estágio já terminal, que manifestou o seu desejo de deixar sua poupança em euros para algum desconhecido. Alegava que queria deixar este mundo fazendo o bem e melhorando a vida de alguma pessoa necessitada que pudesse fazer bom uso do que não lhe servia mais para nada.
De nome francês, mas brasileira ou vivendo no Brasil, disse-me ser viúva sem filhos e que amealhara aquela considerável fortuna trabalhando na área de petróleo. Próxima do fim e ciente da finitude humana, queria fazer algo marcante que justificasse a sua existência de mulher rica que chegara à conclusão de que do mundo nada se leva, exceto o bem que somos capazes de fazer e proporcionar a terceiros.
Confesso que me surpreendeu tal disposição, sobretudo porque o que tenho visto difere dessa mentalidade assim expressa sem subterfúgios e com a urgência que o seu estado requer. Recentemente fui testemunha do assassinato moral de uma querida amiga de mais de 50 anos cujos irmãos, em especial uma Irma que é obreira em uma igreja e se, como os demais, se dizem cristãos, mas cristão do tipo hipócrita, que diz uma coisa e faz o seu contrário. Confesso que nunca vi tamanha impiedade entre irmãos de sangue contra alguém a quem o câncer devorava impiedosamente e que afinal a levou em meio a uma grande provação, garfada por uma gente gananciosa e desprezível aos olhos de pessoas decentes.
Acrescente-se a isto que essa boa alma que trazia Socorro no próprio nome, em seus momentos finais sobre a terra, sempre ajudara a todos, embora sendo continuamente enganada, a ponto de endividar-se e até passar fome para fazer o bem, inclusive aos amigos e pessoas queridas. Chegou mesmo a enterrar em seu tumulo colega de trabalho sem recursos para pagar um funeral decente.
Sugeri a Marie Louise que, em vez de beneficiar uma só pessoa, repartisse sua poupança com outros. Cheguei mesmo a sugerir-lhe que ajudasse uma nossa conhecida protetora de animais que os resgata em situações de risco e vulnerabilidade e só conta com a colaboração de amigos da causa animal. Também lhe sugeri que apoiasse pessoas de talento, desejando ardentemente que o seu gesto pudesse servir de exemplo a outros, muitos outros que, sem herdeiros e sem ter essa diligencia, deixam seus bens para o Governo que em geral não faz o bem a ninguém, exceto, às vezes, sob a formas mais humilhantes e com fins políticos.
Ignoro a decisão tomada por ela, que já não pode postergar nem protelar ações. Em todo caso, só pelo fato de ter pensado nos outros, em hora tão amarga de sua existência já dilatada, não apenas dá a medida da grandeza de sua alma, nos faz crer que ainda há no mundo pessoas que se importam com os outros.