*Alexsandro Alves
Mesmo que não fosse romântico, quando lembramos das obras de Beethoven o que nos vem logo à mente é alguma intepretação ultrarromântica de suas obras, pode ser por Furtwrängler, por Karajan ou por Solti. É essa maneira de interpretar sua música que estamos habituados, que crescemos com ela, graças sobretudo aos LPs da Deutsche Grammaphon gravados por Karajan com as Orquestras Filarmônicas de Berlim e de Viena.
Essas gravações habituaram nossos ouvidos aos legatos imensos desse maestro e suas tensões sustentadas que prendiam e prendem nosso fôlego. Karajan não deixava os músicos respirarem muito, sua técnica exigia uma musculatura musical intensa aliada a uma expressividade por vezes considerada exagerada, seus mais ácidos críticos, ao invés de “exagerada”, preferem mesmo brega.
Seja como for, Karajan levou ao extremo uma maneira de interpretar a música que nasceu na primeira grande escola de regência, a de Richard Wagner. Maestros como Hans von Bülow, Hans Richter, Hermann Levi, Hans Knapperstsbuch, Félix Mottl, Franz Beidler e Karl Muck, todos filiados à Casa dos Festivais de Bayreuth, com exceção de von Bülow. Esses maestros entendiam que o dever do regente é extrair da música o seu “melos”, isto é, sua melodia mais expressiva e emotiva possível.
O próprio Wagner, na busca por injetar Romantismo no clássico Beethoven, introduz modificações na orquestração de todas as suas sinfonias, sobretudo na Nona e detalha pormenorizadamente como cada compasso deve ser tocado. Essa forma de soar Beethoven foi unânime até a década de 70. Com o movimento da Historicidade, maestros como John Eliot Gardiner, Tom Koopman, Nikolaus Harnoncourt retornaram às orquestras pequenas, às partituras originais e ao comedimento interpretativo, mas sem perder a ternura.
Recentemente o YouTube me sugeriu um vídeo, com Richard Strauss regendo a Quinta sinfonia, em Dó menor, de Beethoven. Fiquei muito curioso porque esperava essa regência ultrarromântica típica daquela escola a qual Strauss também faz parte. Basta ouvirmos sua Elektra ou seu Assim falou Zaratustra, para sermos tomados dessa exuberância luxuriante fundada por aquela escola.
Mas me surpreendi.
Strauss é muito cuidadoso. Suas pausas são sentidas e ouvidas, são bem colocadas, respeitadas e sobretudo, não há legato. O TCHAN, TCHAN, TCHAN, TCHANNNNNN, inicial é ouvido sem atropelo, quase em staccato, isto é, ele executa as notas curtas com pausas bem sentidas, nós notamos os silêncios entre as notas, entre os compassos. Karajan prefere injetar sempre legato, isto é, ligar as notas, como se entre elas não houvesse uma pausa, causando aumento de tensão e de expressividade.
Observem os compassos inicias de cada interpretação e então o restante da música. Strauss parece parar e estamos tão habituados com a maneira ultrarromântica que ficamos inclusive incomodados com tantos espaços silenciosos. Outra coisa que achei muito peculiar é que Strauss não repete os temas iniciais no primeiro movimento. Na forma sonata há a exposição dos temas, em seguida sua reexposição e depois o desenvolvimento. Strauss só enuncia os temas uma vez e não os repete, passando logo para o desenvolvimento.
Isso faz com que o primeiro movimento, em Strauss, tenha apenas 5 min. e 46s contra 7 mim. 01s pelas mãos de Karajan. Nos vídeos isso ocorre nas seguintes marcações de tempo de tela, eu separei esse vídeo de Strauss mas também um com a regência de Karajan:
STRAUSS:
Exposição: 00:00 até 1:30
Reexposição: Não há
Desenvolvimento: a partir de 1:31
KARAJAN:
Exposição: 00:00 até 1:23
Reexposição: 1:24 até 2:46
Desenvolvimento: 2:47 em diante.