*Calle del Orco
O movimento é contrastado, às vezes abafado, por uma força oposta. Havia em Balzac, além do desejo infinito, a paixão do movimento e uma espécie de leveza feminina, um poderoso instinto de concentração onde ele localizava a principal fonte de seu gênio: algo mais profundo do que a própria vontade. Esse instinto de concentração tende a condensar cada página e cada parágrafo de A Comédia Humana. Tudo nele está cheio, lotado, saturado: mas, volume, massa compacta, confinamento; abolição de qualquer espaço livre, de qualquer respiração, de todas as correntes de ar e leveza. Balzac proclama: “O vazio não existe”; “Nosso globo está cheio e tudo está relacionado”; “A natureza é una e compacta”; “Tudo está ligado e se comunica.” Ao narrar, apesar de afirmar o contrário, ele constantemente nos lembra que somos prisioneiros do Espaço e do Tempo; não há verdadeira redenção metafísica, nem bater de asas. O mundo é uma prisão, A Comédia Humana uma prisão: a prisão literal onde Vautrin viveu, ou uma prisão metafórica como o sinistro mundo das obsessões que é a pensão Vauquer.
Até Dostoiévski não carregava esse sentimento de concentração e condensação até agora. Não há omissão: Balzac sente-se obrigado a não esquecer nada, nem a descrição de um interior, nem a de um exterior, nem a de um vestido, nem o rosto de uma personagem, nem uma análise psicológica ou sociológica. Ele não gosta de escorços. Os diálogos, que são a forma pela qual a leveza e a mobilidade entram no romance, são quase inexistentes, pois se transformam em fragmentos de estupenda oratória dramática. O comentário nunca deixa a realidade livre: Balzac quer dominá-la com inteligência, engoli-la com a mente, como um Bossuet ou um La Bruyère transformados em jornalistas da moda. Por fim, ele não fica feliz se não documentou todas as condições e situações sociais, se não deu a conhecer, para engrossar a narrativa, os hotéis de Paris, os nomes dos alfaiates, as tipografias antigas e modernas, os livreiros, editoras, jornais e jornalistas, o código comercial, letras de câmbio, procedimentos, patentes, forças policiais, direito penal, teatro, cortesãs… Essa densidade compacta desperta em nós admiração, embora em algumas ocasiões nos afoguemos e nos rebelemos contra um cosmo que é muito pesado. Imploramos leveza, como Henry James, seu antagonista, em um magnífico ensaio. De Tolstói a Flaubert, James, Kafka, o romance moderno — que ama a omissão, a sugestão e a leveza do tecido — nada mais é do que uma rebelião consciente e grandiosa contra Balzac.
Pietro Citati