*Ronaldo Cagiano
A recente leitura de Ficções Fricções Africções (Editora Mares do Sul/CEJEN, Florianópolis, 1999), agraciado em 1998 com o Prêmio de Literatura Luís da Câmara Cascudo da Prefeitura de Natal, colocou-me em contato com um escritor singular, Franklin Jorge, grata surpresa estética que nos vem do Rio Grande do Norte. De uma terra que já nos deu um mestre como Câmara Cascudo, não poderia ser diferente, demonstrando o vigor da nova geração.
Belíssimos trabalhos em prosa enfeixa esse livro, com o arremate também de um cuidadoso projeto gráfico que dá uma interessante orientação espacial aos contos. A escritura de Franklin Jorge, sem dúvida, encabeça os melhores da nova safra potiguar, tanto que sua obra é saudade por ninguém menos que André Seffrin, Hugo Mund Júnior, e Antônio Carlos Villaça expoentes da literatura que repercute além fronteiras.
Chama-nos a atenção nessa prosa que tem muito de inflexão poética o comedimento, a economia de meios. Nada falta ou sobra em sua dicção. A linguagem é tratada com a meticulosidade de um artesão, de modo que o autor não se deixa vacilar ou seduzir por certos caminhos em que se meteu a prosa atual, muito vocacionada aos cacoetes, a choques pela falsa ruptura e outros vícios de um vanguardismo requentado e sem sentido, parente da pseudo-transgressão formal, sintomas reveladores da pobreza que tem atingido muitos autores contemporâneos.
Franklin vai na contramão dos processos que pretensamente querem fundar uma prosa urbana multifacética e falsamente cosmopolita. Busca em suas raízes (sociais, geográficas, psicológicas e humanas) matéria para construir, com mais força, carga poética e densidade temática os seus personagens e suas histórias.
Nota-se também nesses contos um estilo sutil e um domínio da técnica narrativa, o que denota a experiência de leitura do autor, como se infere das epígrafes utilizadas, promovendo uma intertextualidade, um diálogo com várias gerações, em que estão presentes a empatia intelectual e a relação semântica, o que valoriza ainda mais o trabalho.
Buscando nas fontes das cultura popular, no coloquial, nas figuras populares, na realidade sócio-política de seu meio, no folclore, enfim, captando o que há de verdadeiramente humano em tudo, Franklin Jorge constrói um belíssimo e autêntico painel de seu tempo e de sua gente, sem a necessidade de travestir a prosa com os recursos do contorcionismo verbal para se fazer entendido.
Estamos diante de uma semântica particularíssima, pois os protagonistas desses contos fluem da releitura de suas experiências pessoais e afetivas, dos contatos com uma realidade pungente, do conhecimento dos cheiros, gestos, jeitos, condições e valores de um lugar. É a busca, na nervura da vida, da essência de tudo.
Em Ficções Fricções Africções, Franklin Jorge demonstra aquela relação estreita com o universo “provincial” (aqui repito a expressão utilizada por Wilson Martins, para quem a palavra “provinciano” tem um caráter pejorativo, de demérito), permitindo-lhe esboçar o verdadeiro universalismo, porque ao cantar a sua aldeia, o seu povo, a sua grei, enfim, o seu quintal, como diria Tolstoi, fala genuinamente do universal, pois relata o que existe de profundo e real, por isso mesmo se tornando compreensível para qualquer leitor, esteja ele em Ipanema, Dublin, Cataguazes, Brasília, Praga, Ituiutaba ou Mossoró.
Franklin Jorge faz literatura do melhor quilate, carpintaria literária do mais alto padrão.