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Universalista do hábito

Em artigo ensaístico rico de informações e generoso em interpretações, Colaborador de Navegos faz-nos passear pela cultura enciclopédica do Mestre dos Potiguares

*Francisco Alexsandro Soares Alves

“Todo trabalho do homem é para a boca”. Luís da Câmara Cascudo

Essa máxima cascudiana é uma das verdades mais basilares da civilização.

Quando Jesus estava em seus momentos mais sublimes, havia comida: bodas de Caná, multiplicação dos pães, multiplicação dos peixes, na casa dos publicanos sempre estava à mesa, a última ceia antes da crucificação. O Filho do Homem é um dos mais glutões de nossa espécie.

Boa parte do Levítico é sobre o que se deve ou não ingerir; Maomé detalha com avidez suas leis alimentares e classifica os alimentos em halal, o que se é permitido comer; haram, o proibido e mushbook, onde não há certeza sobre a qualidade do alimento e assim, é aconselhável nem mesmo tocá-lo.

Não há prazer mais sublime do que este, o da alimentação.

Segundo Cascudo, os portugueses eram um tabuleiro de raças, ali estavam todos: os romanos, os celtas, os árabes. A riqueza que Portugal trouxe para o Brasil foi incomparável. Até hoje, nenhum grupo é mais importante para a formação brasileira do que os portugueses.

Este país multiétnico trouxe para as terras descobertas as riquezas culinárias de tantos povos, que a odisseia alimentar brasileira de fato é um espelho etnográfico perpétuo, que se reinventa, se mostra e se reproduz a cada nascer e pôr do sol.

Cascudo, sempre pioneiro, percorreu a nossa rota alimentar: do Brasil foi para Portugal, de Portugal para a África, fazendo, pela primeira vez nos estudos sociológicos brasileiros, uma etnografia do negro através da boca.

E Cascudo, universalista, estava interessado nas bases de nossos hábitos. E ele vai além da Grécia Antiga e encontra resquícios de nossa gente e de nossa cultura. Esse trabalho é um trabalho de fôlego até hoje incomparável. A finalidade dessa história da alimentação é narrar até mesmo como o gosto brasileiro se formou a partir dessas especificidades étnicas únicas de nossa história.

Segundo Daliana Cascudo, a noção de identidade nacional a partir da alimentação, tão natural hoje, não existia na época de seu avô. De forma que, essa noção tão particular foi desenhada e colocada para o país na obra de Cascudo. É dele, do maior orgulho que o Rio Grande do Norte deu ao mundo e em particular, a nós, brasileiros.

Salve, Cascudo!