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Utópico é o homem que abandona seu posto

Escritor de língua espanhola, um dos maiores pensadores de sua geração reflete sobre a natureza utópica da filosofia.

*José Ortega y Gasset

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Cada vida é um ponto de vista sobre o universo. A rigor, o que ela vê não pode ser visto por outra pessoa. Cada indivíduo – pessoa, povo, época – é um órgão insubstituível para a conquista da verdade. Eis como isso, por si só alheio às variações históricas, adquire uma dimensão vital. Sem o desenvolvimento, a mudança perpétua e a aventura inesgotável que constituem a vida, o universo, a verdade abrangente, seria ignorado.

O erro inveterado consistiu em supor que a realidade tivesse por si mesma, e independentemente do ponto de vista que dela se tomasse, uma fisionomia própria. Pensando assim, é claro, qualquer visão dela a partir de certo ponto não coincidiria com aquele aspecto absoluto e, portanto, seria falsa. Mas acontece que a realidade, como uma paisagem, tem infinitas perspectivas, todas igualmente verdadeiras e autênticas. A única falsa perspectiva é aquela que finge ser a única. Em outras palavras: o falso é a utopia, a verdade não localizada, vista de «nenhum lugar». O utópico – e isso tem sido o racionalismo em essência – é o que mais erra, porque é o homem que não permanece fiel ao seu ponto de vista, que abandona o seu posto.

Até agora, a filosofia sempre foi utópica. É por isso que cada sistema afirmava ser válido para todos os tempos e para todos os homens. Isenta da dimensão vital, histórica, perspectivista, ela repetia em vão seu gesto definitivo. A doutrina do ponto de vista exige, em vez disso, que a perspectiva vital da qual ele emanou seja articulada dentro do sistema, permitindo assim sua articulação com outros sistemas futuros ou exóticos. A razão pura tem que ser substituída por uma razão vital, onde se localiza e adquire mobilidade e força de transformação.

José Ortega y Gasset

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