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Vaidade  custa caro

Colaboradora de Navegos, membro da Academia Assuense de Letras, onde ocupa a cadeira 16 que tem a escritora mineiro-potiguar Maria Eugênia Montenegro, vai buscar em um conto de escritor francês quanto a vaidade pode ser perniciosa.

*Maria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro

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Um conto que sempre reteve minha atenção e reflexão foi ‘O colar’ de Guy de Maupassant (Henri-René-Albert-Guy de Maupassant, 1850-1893). Algumas vezes, mesmo, cheguei a propor a alunos, sua leitura para reflexão sobre o direito na vida cotidiana.

O autor fazia em seu trabalho, crítica social. E como não ver isso na ânsia desmedida dos luxos e enfeites das classes endinheiradas? Era o sonho e o pesadelo de Mathilde Loisiel, que sonhava com as belas festas, as belas joias, o desfrute de bailes e recepções. Angustiava-se com isso, sem conseguir encontrar qualquer traço aprazível naquilo que a cercava.

Nessa qualidade de espírito, ao receber um convite para uma recepção, não hesitou em procurar uma amiga rica, e lhe pedir emprestada uma joia para se enfeitar. Como a amiga se colocou à sua disposição, ela apreciou tudo o que foi mostrado, mas seu olhar somente se deteve e encantou com um colar, reluzente, brilhante, enfeite rico e luxuoso. Somente com ele se deu por satisfeita, pois refletia o que lhe ia no gosto, na vontade. E assim, foi esse colar que pediu emprestado à amiga que o cedeu, sem hesitar.

(Preciso de fazer um parêntese, aqui; esse conto serviu para ilustrar aulas de contrato, quando se tratava de comodato, que é um empréstimo de coisas que têm de ser devolvidas da mesma forma. O mesmo objeto. No mesmo estado de conservação).

Mas, no conto de Maupassant o destino conspira contra a vaidade de Mathilde, que perde o colar. Tem a obrigação de o restituir. O que fazer? Diz o autor: “Que teria acontecido se não tivesse perdido aquele colar?”

No prosseguimento do conto, impera o dever de restituir o bem. Sacrifícios, empréstimos, a descida na escala social, da modéstia anterior, para a pobreza e a execução de todos os serviços domésticos, sem nenhuma ajuda.

O desfecho do conto, dez longos e tristes anos depois, é o reencontro entre as antigas amigas, depois contratantes, comodante a emprestar o colar, comodatária a receber o colar de diamantes. E vem a surpreendente informação, “o meu (colar) era falso! Valia, quanto muito quinhentos francos!”

(Outro parêntese: agora para apontar a questão da boa-fé. O colar foi escolhido pela comodatária. Foi restituído à comodante.  Surge, então, a indagação: se no momento da escolha, não era exigível da  amiga rica dizer o tipo do colar,  como deveria ela agir, ao receber um colar de diamantes, pois, como dona da joia, sabia muito bem que não era a mesma coisa?. Aliás, a publicação em 1884  tem o título simples de ‘La parure’).

Várias facetas do comportamento e do caráter humano surgem do texto desse conto. Aparências e busca de satisfação de interesses imediatos, obtenção de vantagens mesmo   que não solicitadas. O agir ético surge nesse episódio tão singelo.

Singelo como o celebrado colar de pérolas. Não há contos sobre ele, mas a iconografia mostra com frequência, seu uso, e sua referência como sinônimo de simplicidade, ora de pureza, ora de lágrimas descritas em uma lenda como a oferenda do elemento água ao criador do mundo (Mahabarata). A pérola é identificada assim com a água, com as lágrimas dos deuses, com a beleza e até com a saúde. Ela vem da água, sendo produzida por moluscos, ostras, mexilhões quando invadidos por corpos estranhos. Reação ao exterior, corpos esféricos que se contêm e bastam em si mesmos.

No caminho das vaidades, os colares se mostram mas se no brilho ofuscante dos diamantes e na suave luminosidade das pérolas com sua origem biológica. Um vem das pedras e minerais e outra vem da água e seres que a habitam e como a natureza tem seus caprichos, sendo esféricas, mas não exatamente iguais ou perfeitamente redondas.  Talvez a distinção sugira também noções, para além do seu uso e da finalidade de embelezar. Bem sei também que o mundo das aparências capturou as pérolas, sintéticas ou artificiais e aqui volta a rever o antigo momento de Mathilde.

A beleza está no recorte de serenidade. Como ontem, quando vi um antigo retrato de uma mulher portando um   colar de pérolas. Representava discrição, exalava eternidade.

Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, diz o Eclesiastes. Mas, não deve ser aflição do espírito, mas suave presença e luz que clareia.  Assim é a beleza. E a verdade.