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Validade humana vencida

Nadja Lira, jornalista, pedagoga, filósofa, dialoga sobre o mais misterioso e enigmático momento da vida, a morte.

*Nadja Lira

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Não me considero uma leitora assídua da Bíblia, mas aprendi ao longo da vida e, especialmente através das conversas mantidas com o meu pai (em memória), que Deus criou o ser humano para ter vida eterna. Perdemos este privilégio por causa do pecado praticado por Adão e Eva. Morrer, portanto, passou a fazer parte da existência humana. Mas, Deus, na sua infinita bondade, misericórdia e sabedoria, nos deixou um consolo: tão logo o ser humano perde sua data de validade, ganha um passaporte que o conduzirá à eternidade.

O paraíso, de acordo com as Escrituras Sagradas, é um lugar onde não existem lágrimas, dores ou sofrimento de qualquer natureza. Ocorre que, mesmo sabendo que existe finitude na vida humana, mesmo sabendo que cada um de nós tem um prazo de validade, poucos são os que se preocupam nos preparos para morrer e ingressar na Vida Eterna prometida pelo Pai Supremo.

Poucos seres humanos se preparam para a partida rumo à eternidade, assim como é muito difícil aceitar esta nossa finitude e a dos entes queridos que partem antes de nós. Embora sabendo que perdemos o dom da imortalidade e que, portanto, temos um prazo previamente estabelecido para viver na Terra, é interessante perceber que vivemos como se não houvesse amanhã.

O mundo atual oferece curso preparatório para tudo. Menos para preparar os indivíduos para seu instante derradeiro. Aquele no qual o fio da nossa vida será cortado e nós teremos que embarcar para a vida eterna a fim de prestar contas de nossos gestos, atos e atitudes, ao nosso Criador – o dono de tudo – inclusive das nossas vidas.

Imagino também, que caso existisse um curso preparatório para se encarar a Deusa Tânato – aquela que nos levará ao sono eterno no mundo terreno, poucos se interessariam por tal aprendizagem. Este curso, certamente, teria poucas chances de se manter no mercado. Afinal, todo humano quer viver como um deus sem se preocupar com sua validação e a morte parece ser um assunto proibido entre as pessoas.

O homem, segundo o filósofo J.P. Sartre, é o único ser a ter consciência de sua finitude e de sua morte. Para o filósofo, o homem também é o único animal que sabe que vai morrer e busca sua identidade absoluta, mas fracassa e passa a ver sua existência como absurda, solitária e sem sentido. É por isso, segundo ele, que muitos se entregam aos prazeres terrenos. Seria uma tentativa vã de esquecer, que ele foi criado com um prazo de validade, cujo fim será determinado pelo Criador.

Por não querer aceitar a realidade da sua finitude, resta ao homem uma única alternativa: a de ser livre. Mas, esta liberdade à qual o homem está condenado, acaba por se transformar em uma fonte de angústia, levando-o ao desespero.

Desse modo, O homem recusa-se a exercer sua liberdade e a viver livre, porque não quer assumir os riscos e os desafios que tal decisão implica. Ele teme confrontar o vazio de sua própria existência. Assim, secretamente, os homens tornam-se seres vagos, sem energia, amorfos e tristes.

Não acreditar na eternidade leva o homem à negação de estudos Bíblicos, a viver sem oração e longe das atividades religiosas. Eles passam a valorizar em demasia, o dinheiro, o álcool, as drogas, o sexo, enfim as futilidades da vida humana, que tomam o lugar de Deus na vida das pessoas.

Para Santo Agostinho, a morte não representa o fim da vida. Ele vê a morte como uma condição natural, como uma passagem ou uma transformação do estado da vida a um estado diferente, mas natural, que mantém sua continuidade com a existência terrena.

Cada pessoa tem seu próprio pensamento acerca da morte e do amor. Eu acredito na vida eterna, mas não consigo encarar a morte sem dor e sofrimento. Comparo a morte à uma viagem. Quem vai ao cais para se despedir de alguém querido, sofre com a dor da partida. O apito do navio anunciando que chegou a hora de zarpar, é como uma punhalada no coração de quem fica.

No outro cais, o da chegada daquele ser querido ao destino, o clima é de festa, alegria e contentamento. Alguém muito querido retornou ao lar, depois de cumprir a missão que lhe foi determinada por Deus. Cumpriu suas obrigações. Finalizou a sentença. Perdeu seu prazo de validade humana.