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Venturas e desventuras da lentidão

Ser um escritor lento tem suas vantagens e suas desvantagens; o modo cerebral de escrever faz do tempo um aliado, porém pode quebrar a espontaneidade.

*Jaime Gil de Biedma

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Ser um escritor lento, sem dúvida, tem suas desvantagens. E não só porque contradiz aquela legítima impaciência humana de concluir qualquer empreendimento antes de esquecermos completamente o esforço e as esperanças que nele colocamos, mas também torna impossível, ou pelo menos difícil, compor um certo tipo de obras, aquelas concebidas em torno de uma primeira intuição à qual o escritor subordina obstinadamente o mundo das suas solicitações quotidianas; Tal sacrifício é suportável por um período mais ou menos longo, mas geralmente mais curto do que o tempo que levamos, escritores lentos, para escrever um número suficiente de versos. Dada a escolha entre as nossas concepções poéticas e a fidelidade à nossa própria experiência, optámos finalmente por esta última. A nossa atividade chega assim a coincidir com a própria vida – algo como um oceano ou como uma tapeçaria tecida e desfiada a cada momento, recomeçando sempre – e os nossos livros parecem conformar-se naturalmente com aquela lógica heráldica, de que falava Juan de Maicena. cujas conclusões não são inteiramente consistentes com as premissas, uma vez que no momento da sua produção o seu valor já expirou parcialmente.

A lentidão também tem suas vantagens. Na criação poética, como em todos os processos de transformação natural, o tempo é um fator que modifica os demais. Bom ou ruim, pelo simples fato de ter sido escrito lentamente, um livro carrega consigo o tempo da vida de um autor. O mesmo entrelaçamento e desfiamento incessante, os mesmos abandonos e contradições repentinos revelam, considerados a longo prazo, alguma aparência de sentido, e toda a série de poemas uma certa coerência dialética. Um homem muito pobre deve ser se não deixa no seu trabalho – quase sem perceber – algo da unidade e da necessidade interior da sua própria vida. No fundo, um livro de poemas nada mais é do que a história do homem que é o seu autor, mas elevado a um nível de significação em que a vida de um já é a vida de todos os homens, ou pelo menos portanto – tendo em conta levar em conta as inevitáveis ​​limitações objetivas de cada experiência individual – algumas delas. Se minha lentidão no trabalho serviu para dar a este livro aquela virtude mínima, acho que posso ficar satisfeito.

 

Jaime Gil de Biedma
Prefácio aos Companheiros de Viagem