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Vida em Veneza

O compositor alemão Richard Wagner, em uma carta para Mathilde Wesendonck, delineia sua vida em Veneza e suas esperanças com sua nova obra, “Tristão e Isolda”.

*Richard Wagner

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O que me eleva, o que em mim perdurará, é a felicidade de ser amado por ti. Veneza, o Grande Canal, a Piazzetta, a Praça de S. Marcos – um mundo desvanecido. Tudo se torna subjetivo como uma obra de arte. Instalei-me num imenso palácio debruçado para o Grande Canal, de que neste momento sou o único habitante. Salas enormes, espaçosas, onde vagueio à minha vontade. Tendo a minha instalação uma importância grande no aspecto técnico e material do meu trabalho, nela ponho todo o meu cuidado. Escrevi logo para que me mandem o Érard**. Soará admiravelmente nos salões do meu palácio. O singular silêncio do Canal convém-me às mil maravilhas. Só deixo a casa pelas cinco horas, para ir comer. Depois passeio pelo jardim público; breve paragem na Praça de S. Marcos, de um tão teatral efeito, por entre uma multidão que me é completamente estranha e apenas me distrai a imaginação. Pelas nove horas regresso de gôndola, encontro o candeeiro aceso, e leio um pouco antes de adormecer…

Esta solidão, único alvo que procuro e que aqui se torna agradável, anima-me. Sim, espero curar-me em tua intenção. Conservar-me para ti significa consagrar-me à minha arte. Tornar-me tua consolação, através dessa arte, eis a tarefa que me é dada; convém à minha natureza, ao meu destino, à minha vontade e ao meu amor. Deste modo permanecerei teu. E também tu te curarás através de mim. Aqui hei de terminar Tristão e Isolda a despeito do furor do Mundo, e com ele regressarei para te ver e te levar a paz e a felicidade. Eis o que diante de mim tenho como a mais bela e a mais santa das esperanças. Heroico Tristão, heroica Isolda, ajudai-me, ajudai o meu anjo.

Richard Wagner, in ‘Carta a Mathilde Wesendonck (1858)

 

** Fala de seu piano, da marca Érard.