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Vieira Fazenda, cronista em tempos de El Rey

O morador da célebre Rua Santa Luzia, mira caridosamente as velhas figuras que inspirariam Cascudo em sua pesquisa para uma História da Vida Privada. Escreveu a crônica de seu bairro, em um estilo singelo e despretencioso. Viveu e deu a conhecer sua época de muita peripécia.s chafarizes de Mestre Valentim.

*Franklin Jorge, Editor de Navegos.

Querido por todos, ao chegar ao lar de um paciente, declarava-se a casa em festa. Iluminada para a festa com a presença do caridoso médico cuja distração seria consignar a crônica falada da Cidade Velha, do Paço Imperial, em especial da Rua Santa Luzia, onde residia, e arredores. Era o Doutor José Vieira Fazenda [1847-1917],médico e cronista minucioso.

Contemporâneo de um tempo que se renovava, em sua corte tropical, em cuja vizinhança pobre e tradicional nasceu e viveu, ouvindo e vendo tudo, sabendo de tudo, registrando até as nulidades do tempo, num tempo em que Deus nos pede estrita contas do tempo.  Toda essa somatória de fatos e personagens que se vão acumulando por artes de um curioso que não quer tirar carta de doutor. Que observa e volta a observar de novo.  Torna-se um escrevinhador do tempo.

Terá inspirado a Cascudo suas velhas figuras, uma galeria de homens e mulheres curiosos, inspiradores, agora conectados em redes sociais; anotações curiosas da vida privada no tempo de El Rey. Fonte segura de um Rio que se tornava a capital do Reino. Um Rio que nos deu essas memórias de um sargento de Milícias. E essas velhas figuras de que se lembra, espirituosamente, Vieira Fazenda, em seu afã de escrever e clinicar, visitando seus pacientes, pois nessas visitas se locupletava o cronista citadino.

Era um Rio agitado por uma grande invasão ordenada, aparentemente atabalhoada, em fuga da iminente ocupação do Reino de Portugal por tropas napoleônicas. A capital de um país colonial, do outro lado do Atlântico. Um tema, por si, inspirador.

O Rio que se improvisava em corte agitava-se com as suas ruas tomadas de gente, propriedades requisitadas “por ordem de El-Rey”. Grandes obras tiveram começo e fim. Biblioteca Nacional. Museu Nacional. O último vice rei, Conde de Arcos, empreendeu grandes obras na Guanabara, desmanchou morros e aterrou o mar para uma maior expressão da grandeza natural de uma terra de belo corte geográfico, com suas montanhas, rios e mar. Sob o céu estrelejado.

Já pelo titulo de sua obra magna captura-se a natureza e a essência de quem pensou Antiqualhas, já um título que não desperta interesse. Que sugere coisa de somenas qualidade. Um título que cheira ao já visto dos franceses. Uma coisa de segunda mão. Sem especial interesse. Mas não.

Esse vice-rei, quando governador de Goiás, fez significativas melhorias em sua província. Construiu o Palácio dos Arcos, na velha Cidade de Goiás, Goiás-Velho. Um palácio que o abrigou e nos parece modesto, sem ostentação de grandeza, ao pé da Serra Dourada de onde Goiandira do Couto, artista telúrica, documentarista, de preciosos minérios fabricou suas tintas.

Homem de grande percepção e saberes, anteviu o Conde um Rio maravilhoso; uma cidade-luz, nascida da luz de suas águas.

Um homem atilado, capaz de antever a cidade nova, moderna, sugestiva. Deu-nos o Passeio Público, a Rua do Passeio. Os chafarizes…