*Alexsandro Alves
Em 2001, conheci uma senhora que se tornaria minha amiga durante os anos seguintes.
Ana Ligia de Oliveira era admiradora de ópera e protetora dos animais. Wagneriana, quando a visitei pela primeira vez, em sua casa na Rua dos Tororós, e em todas as outras vezes seguidas, me admirava da pintura que uma de suas paredes da sala de estar ostentava com todo o brilho e grandeza, o retrato de Cosima Wagner, esposa de Richard Wagner, pintado por Franz von Lenbach. Ana Ligia se parecia muito com ela, fisicamente. Sob a pintura, em uma pequena prateleira, um busto de Wagner.
O nariz adunco e a leveza dos olhos quase cerrados possuíam uma semelhança extraordinária.
Certo vez, ela me disse que a ópera parece música brega. Você já ouviu brega? Não parece?. Eu já ouvi muitas definições de ópera. Inclusive algumas iguais a essa de minha amiga, que a princípio parecem sem sentido ou produzidas naqueles estados de superioridade que fazem as pessoas inteligentes parecerem bobas, uma espécie de calculada autonegligência.
Alguns anos antes, em 1996, quando conheci Franklin Jorge, ele me presenteou com alguns de seus livros e, em um deles, havia o Dicionário Frank-jorgeano, e um dos verbetes era para ópera: Espetáculo tedioso, que cansa os sentidos. Carnaval estilizado.
Essa semana que passou, surpreendeu-me o YouTube com recomendações de brega. E essa comparação de Ana Ligia com a ópera absorveu muito do meu tempo. Talvez essa comparação tenha sido causada pelo pathos exagerado e intenso que ambos os estilos têm.
O brega é um gênero musical que não suporta meio-termo: ou se gosta ou se odeia. Seus temas são sempre amores traídos que terminam com o homem se dando mal e a mulher nos braços de outro; ou uma variação desse tema, a mulher, rica e bem de vida, encontra a decadência em uma mesa de cabaré. Através de imagens muitas vezes grotescas e exageradas, as letras das canções são desenvolvidas para criar um clima de profunda tristeza, onde o destino, a sina, é sempre fatal.
Musicalmente encontramos, não raras vezes, uma melodia muita forte alicerçada em instrumentos de sopro da família dos metais, trombones de preferência, sob um ritmo insistente nos pratos ou caixas claras, essa música nunca cessa e acompanha a letra do início ao fim, por vezes, para sublinhar uma sina, há a inserção de coros, geralmente de vozes femininas muito suaves, que sem dúvida criam uma atmosfera macabra, pois temos um destino inexorável e perverso cantado com sinistra delicadeza.
Sem dúvida o brega mexe com a lógica.
Por exemplo, Desespero da fossa (letra e música de José Maria Soares Vieira), que foi interpretada e gravada, em 1981, por Roberto Müller. O indivíduo, abandonado pela mulher, percorre as ruas da cidade como um louco; atormentado, decide afogar as mágoas em uma mesa de cabaré; por coincidência, o mesmo cabaré em que sua ex-amante trabalha. Talvez ela seja uma atriz ou cantora. Uma vez lá, ele sente que todos lhe olham com compaixão. Decide ir ao encontro da ex e, ao chegar em seu camarim, descortina-se aquela cena infeliz: ela já tem outro e se diverte com ele. Humilhado, esse homem abandonado volta a se entregar ao copo.
Durante toda essa história lamentosa, os trombones executam uma melodia, sobretudo na cena infeliz, que parece um grande escândalo exterior, mas que é também o desenlace final das condições psicológicas do homem, na cena seguinte, ele mal consegue segurar uma taça!
Abaixo, Desespero da fossa, por Roberto Müller. E, em seguida, Saia já dessa casa, por Ronaldo Adriano. Reparem na estranha sutileza dos trombones na música de Adriano.