*Virginia Woolf
O que se entende por “realidade”? A realidade parece ser algo muito caprichoso, muito pouco confiável: às vezes é encontrado em uma estrada empoeirada, às vezes na rua em um pedaço de jornal, às vezes em um narciso aberto ao sol. Acenda um grupo em uma sala e aponte para algumas palavras casuais. Ele o domina quando você caminha para casa sob as estrelas e faz o mundo silencioso parecer mais real do que o mundo das palavras. E lá está ele novamente em um ônibus no meio do tumulto de Piccadilly. Às vezes, também, parece habitar formas muito distantes de nós para que possamos discernir sua natureza. Mas dá ao que toca fixidez e permanência. Isto é o que resta quando a pele do dia foi jogada na cerca viva; é o que resta do passado e dos nossos amores e ódios.
Agora o escritor, eu acho, você tem uma chance melhor do que outras pessoas de viver na presença desta realidade. Cabe a ele encontrá-lo, coletá-lo e comunicá-lo ao resto da humanidade. Isto é, em todo caso, o que deduzo da leitura de Rei Lear, Emma ou Em Busca do Tempo Perdido. Porque a leitura desses livros parece, curiosamente, operar nossos sentidos de catarata; depois de lê-los vemos com mais intensidade; o mundo parece ter se livrado do véu que o cobria e assumido uma vida mais intensa.
Essas são as pessoas invejáveis que vivem em inimizade com a irrealidade; e estas são as pessoas dignas de compaixão, que são atingidas na cabeça pelo que é feito por ignorância ou descuido. Assim, quando lhe peço para ganhar dinheiro e ter um quarto só seu, peço-lhe que viva na presença da realidade, que leve uma vida aparentemente estimulante, seja ou não possível comunicá-la.
Virginia Woolf
Um quarto só dela
Tradução: Laura Pujol
Editorial: Seix Barral
Foto: Virgínia Woolf