*Alexsandro Alves
- O FILÓSOFO
Quando A vontade de poder, livro póstumo de Nietzsche, foi publicado graças ao empenho de sua irmã, Elizabeth Förster-Nietzsche, o mundo viu o germe de uma doutrina totalitária que varreria a sanidade europeia para a sarjeta: em seus parágrafos se mostravam as sementes do fascismo e do nazismo.
Sua irmã, nazista, após o término da Segunda Guerra, foi acusada de deturpar a mensagem do filósofo, o que deve ter-lhe feito rolar no túmulo. Mas por muitas décadas assim se pensava: que ela havia deturpado as ideias do irmão, que A vontade de poder era um livro inacabado e que ainda assim, ela ainda alterou os aforismos escolhidos para a publicação.
No entanto, publicações integrais desse livro já circulam e o que se constata é exatamente o oposto. Elizabeth não adulterou as ideias do irmão. Sem dúvida ela selecionou os trechos com os quais mais se identificava, mas nenhum deles foi alterado, cada um foi publicado exatamente conforme seu irmão deixara.
O que isso quer dizer?
Primeiro, que é uma redenção para ela; acusada durante décadas de ser uma mentora nazista ao se apropriar indevidamente das ideias do irmão; segundo, ao lermos o livro na íntegra, percebemos que as ideias políticas dele são sementes fascistas prontas para germinar. Eu li a edição da Contraponto, de 2008:
Percebem o Diabo na capa? Então.
Em seus 1067 aforismos, Nietzsche coloca o nascimento de um novo homem. Para esse novo homem, um novo Estado, uma nova arte, uma nova maneira de contemplar a vida. Tal contemplação não pode ser alheia à violência contra o mais fraco – esse novo homem, ele deve exterminar o mais fraco, caso queira, e por quê? Porque é o mais forte e transvalorizou conceitos como compaixão e igualdade, ele se embriaga em sua força pelo simples fato de ser o mais forte.
Mas tudo isso já estava presente em seus textos anteriores. Na Genealogia da Moral, ele lamenta que o povo judeu, em sua época, seja um povo forte, o mais forte da Europa. Por que o povo judeu é o mais forte da Europa? Porque a besta loira está cansada. A besta loira, os germânicos. Ele então se recorda de como, em tempos pretéritos, só de ouvir o nome dessa besta loira, a Europa inteira tremia.
As apreciações nietzschiana sobre igualdade e direitos das mulheres, expostas em Aurora, são um convite para Mussolini elaborar o manifesto fascista.
Porém, inocentaram o filósofo. Após a Segunda Guerra, trataram de reabilitar Nietzsche, contra toda a verdade que estava a olhos vistos em seus livros anteriores à Vontade de Poder.
- O COMPOSITOR
Se a apropriação nazista em torno das ideias de Nietzsche não pode ser tratada como indevida, o mesmo não se dá com Richard Wagner. Antissemita militante, nunca escondeu seu ódio virulento contra os judeus. No entanto, diferente das de seu amigo, apenas essa ideia em Wagner pode ser amplamente abraçada pelo nazismo. Nenhuma outra.
Conforme afirmam John Deathridge (professor emérito do King’s College, Londres) e Carl Daulhaus (departamento de música da Universidade Técnica de Berlim): Wagner sempre foi um pacifista e, como afirma Adorno, mesmo seu antissemitismo, em sua forma mais odiosa possível, ainda é um elemento de seu ódio ao capital. Isto significa que o antissemitismo de Wagner não nasce na direita, mas na esquerda, com os anarquistas do Vormärz (“Pré março”, isto é, antes de março de 1848, quando as revoluções, de cunho antimonarquista e socialista, explodiram em vários reinos da Confederação Germânica) e dos jovens hegelianos em Dresden, da qual Wagner era simpatizante e atuante.
Segundo Adorno: “muitas das características especificamente fascistas de Wagner, particularmente seu antissemitismo, são devidas à sua oposição à comercialização da cultura”, ou seja, o antissemitismo wagneriano é uma forma de revolta contra a banalização da arte, por quê? Porque espetáculos como a ópera francesa eram empreendimentos de empresários judeus, sobretudo; como hoje é a grande indústria cultural cinematográfica de Hollywood – lembrando que Adorno também atacará o cinema enquanto forma de expressão estética genuína.
Em outras palavras, o antissemitismo de Wagner não se enquadrava diretamente em contornos políticos, ainda mais de direita, mas sim estéticos. E embora Adorno não inocente Wagner de todo, sempre permanecerá pairando no ar qualquer ponto final sobre esse assunto, exatamente porque Wagner, em todos os seus ataques aos judeus, o faz sempre no plano estético e mercadológico e ainda, também, nunca falou em morte física.