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Weid e o poder educativo do teatro

Ator, diretor e professor enfatiza a importância do teatro no processo de educação popular e denuncia o mau uso das instituições por gestores ostrificados que nada ou pouco fazem que fuja aos próprios interesses, como ocorre nas gestões dinásticas de Dácio Galvão.

*Franklin Jorge

Como descobriu a magia do teatro?

Descobri o teatro na escola que eu estudava, em 1998, num projeto chamado O Teatro Vai à Escola, da secretaria de Educação. Eu era muito tímido, com a autoestima extremamente baixa, que me atrapalhava em muitas coisas. A princípio descobri que as oficinas teatrais me ajudariam neste quesito, e logo fui me apaixonando pelo fazer, estudar e apreciar a arte Teatral, vindo a me graduar, em 2005, em Artes Cênicas pelo Departamento de artes da UFRN.

Como descreveria o poder educativo do teatro?

O teatro sempre foi umas das formas mais expressivas e coletivas que a humanidade criou para dialogar, expor opinião, criticar, refletir ou entreter pessoas. Através do teatro conseguimos exemplificar teorias e conceitos na prática, dando forma, tom e vida às questões mais profundas do ser, muito bem experimentado por Stanislávisk e como discutir as questões políticas e sociais, como nos convida sempre o teatro de Brecht e Boal. As escolas perceberam isso e buscam no teatro um fonte de reflexão e  convite para que as crianças despertem atitudes cidadãs e os jovem possam compreender a própria vida, além para mostrar conteúdos conceituais das suas disciplinas, sabendo que este elemento visual interage diretamente com o estudante, que envolvido na cena, aprende muito mais, por se sentir um participante ativo daquela aula, mesmo estando na plateia.

Há um movimento teatral em Natal?

Natal nunca foi uma cidade apoiadora da cultura em geral, mesmo, paradoxalmente, tendo, e muitas vezes exportando, artistas maravilhosos. Mas não temos uma educação teatral escolar com base histórica, mesmo os professores de teatro, se pegam envolvidos basicamente na parte prática e nas montagens de espetáculo, dando pouco espaço para a parte histórica e conceitual, principalmente local. Poucos conhecem a história e importância do Sandoval Wanderley, o que deu nome ao Teatro Municipal, que hoje está desativado, pra não dizer abandonado. Sua história é forte e ativa no teatro e nas críticas teatrais da cidade. O mesmo acontece com a história de Jesiel Figueiredo, um grande lutador pela formação do ator e de plateia na nossa cidade. Nos anos noventa, tivemos um bom movimento do teatro de rua e dos grupos mambembes. Ainda se desenhou festivais teatrais, envolvendo grupos escolares e cias independentes, mas nada duradouro. No final dos anos 90, o Teatro Municipal Sandoval Wanderley abrigou vários grupos teatrais iniciantes, que movimentou este teatro com projetos de formação de plateia, levando escolas ao teatro para assistirem aos espetáculos e logo depois debaterem sobre esse fazer, mas logo o teatro entrou em reforma, os grupos saíram e nunca mais conseguiram outro espaço, assim como o teatro nunca mais foi aberto. O mesmo aconteceu com o grande Teatro Alberto Maranhão, palco de grandes projetos locais e nacionais, mas foi interditado em 2015 e nunca mais foi aberto. Temos a Casa da Ribeira, que tenta sobreviver sem apoio governamental algum. O teatro Riachuelo, me parece ter um público bem específico, com algum poder aquisitivo, e pautas voltadas para este público, já bem formado, mas bem desejoso de atrações nacionais. Então vejo algumas tentativas isoladas de grupos ou pessoas da área teatral, mas que acabam se enfraquecendo diante da falta de apoio governamental, falta de um órgão que possa conectar os grupos e os artistas de teatro e projetos formadores de plateia. Mesmo a UFRN um curso de teatro, e já formado turmas em pós dentro dos estudos teatrais. Não se há um pensamento coletivo que convide e reja essas necessidades que que os artistas teatrais possam se manter na cidade como profissional de teatro e não só como professor de teatro ou arte-educador.

No que consiste o apoio das instituições?

Em pouco ou nada, hehe. Quando falamos das leis de incentivo à cultura e seus editais, estamos falando de captação de recursos e dedução de impostos para as empresas patrocinadoras. As empresas ganham em dobro, pois além dela ser vista como apoiadora da arte, ela também recebe uma ampla divulgação, feita pelos grupos captadores, basicamente de graça, levando em consideração que o que a empresa só fornece o que seria pago de impostos ao governo. Projetos de pequenos grupos, mesmo maravilhosos, basicamente não tem vez, pois a baixa porcentagem dedutiva, não interessa às empresas. Penso que a melhor forma das empresas apoiarem a arte é elas mesmas lançando seus editas e investindo em casas de apresentações. Assim formaríamos públicos fieis e artistas dispostos com rotinas fixas de apresentações. O governo precisa ter um plano de cultura, que possa investir nos profissionais da arte com dinheiro próprio e, principalmente, honrar com esse pagamento no momento da apresentação.

Como você ver a perenização dos gestores em seus cargos?

Não vejo com bons olhos. Perenizar pessoas em cargos públicos é engessar ideias. Os cargos públicos precisam atender movimentos de diversas linhas e pensamentos. Um projeto de rodízio como nos coloca a nossa eleição democrática, faz com que novos pensamentos movimentem outros campos e setores. O que não deveria acontecer é o novo gestor ou gestora, extinguir ou enfraquecer projetos que estão dando certo e atendendo coerentemente a população, simplesmente por achar que não é trabalho da sua gestão. Achismo não deveria respaldar atitudes de gestores.

Isso é bom ou mal para a cultura? Há pessoas que estão vinte anos gerindo a cultura…

Isso é péssimo para todas as áreas. Devemos pensar sempre que uma área está interligada a outra. Uma grande prova disso é nossa realidade atual com a pandemia, todas as áreas foram afetadas, não só a área da saúde, já que estamos falando de doença. Se um gestor cuida apenas da saúde, temos analfabetos funcionais, se ele cuida apenas da cultura, corremos o risco de não ter público com formação crítica e saúde. Um bom gestor vai se preocupar com todas as áreas em igual valor. Os 4 anos de gestão (com possibilidade de mais 4 numa reeleição) é suficiente para fortalecer projetos em todas as áreas. Quando um professor recebe uma nova turma de alunos, sua primeira atitude é fazer um diagnóstico, onde ele vai ter uma visão sistêmica de seu público. Os alunos que estão no nível adequado àquela turma, continuarão com os mesmos estímulos pedagógicos, já os alunos que estão atrasados para aquele nível, receberão reforço, até se nivelarem, conseguindo seguir em igualdade com os outros, eles não são expulsos da sala ou da escola por não estarem no mesmo nível intelectual dos seus pares naquele momento. Essa deveria ser a postura de todos os gestores: análise profunda, continuidade e melhoramento nas ações básicas, construir novos projetos com base no que já tem. Sem contar que muitos gestores, depois deum certo tempo, se acomodam em seus cargos e não produzem mais nada. É um crime passar 20 anos, ou seja quanto tempo for, em uma gestão e não ter criado um único legado, não ter organizado o setor que se propôs.

Como o teatro pode ser usado no processo educacional?

O teatro é uma maravilhosa fonte formadora de opiniões e construtora de saberes, seja para quem faz, seja para quem assiste. Em geral os professores fazem bom uso desta linguagem nas suas disciplinas, em especial as de humanas. Por ser visual e textual, o teatro acaba prendendo a atenção do estudante, fazendo com que ele se coloque na posição daquele personagem, como diria Boal no seu Teatro do Oprimido, ou mesmo Paulo Freire ao aproximar o indivíduo do conteúdo a se estudar. Então a linguagem teatral se tornou uma ótima ferramenta pedagógica para a formação intelectual e social. Neste ponto, pode ser um ótimo salto para formação de plateia, mas não forma plateia crítica em teatro, não garantindo assim, a presença contínua deste público, nem muito menos a compreensão desta linguagem enquanto arte em si. Abro um parêntese para falar do ensino de teatro nas escolas. Temos uma faculdade de teatro, licenciatura, na UFRN e temos concursados na disciplina de teatro nas escolas públicas e temos a lei que nos coloca como professor específico de teatro para as escolas em geral, públicas e privadas. Mas são pouquíssimas as escolas que oferecem estrutura adequada para que estas aulas aconteçam. Algumas, particulares, dispõem de auditórios, mas se negam a abir para essas aulas por não compreender a dinâmico de espaço que se necessita. Já as públicas, mas tem sala de aula estruturada para uma boa aprendizagem, imagina sala de teatro. O professor, tem então que se virar, com os alunos para que as aulas aconteçam, afastar cadeiras, usar o pátio, mas tudo sem fazer barulho para não serem chamados a atenção, tudo isso em 50min. Um crime psicológico para todos. Isso quando a gestão da escola não resolve eleger o professor de teatro como o fazedor de peças para animar as comemorações do calendário escolar ou o decorador da escola. Mas isso tudo so acontece porque os gestores governamentais não dedicam respeitos a esses profissionais, o que gera esse efeito dominó, culminando na má formação crítica cultural dos nossos alunos.

Como avaliar uma gestão déspota de algum gestor, como Dácio?

Alguns gestores simplesmente perdem uma grande oportunidade de fazer um excelente trabalho ou deixar que outros mais visionários o faça. Desde o início da pandemia, o grupo artístico foi o primeiro a parar e, com certeza, será o último a retornar, devido a sua natureza aglomerativa. Em geral, os artistas estão se superando na busca de recursos que atendam suas necessidades básicas, não contando com projeto ou verba governamental alguma. Estamos há quase dois meses de isolamento social e ainda não nos chegou projetos concretos e sustentáveis. Antes deste período, a arte potiguar já estava na UTI, falo em termos de apoio governamental. Tanto a Funcarte quanto FJA, órgãos sólidos e responsáveis pela cultura do nosso munícipio/estado, já deveriam ter unido forças para apoiar financeiramente os artistas da terra, pagar seus proventos com o mesmo respeito que pagam aos artistas nacionais. Tem artista que passa dois anos para receber um mísero valor, depois de toda humilhação nas cobranças, sem contar com a injusta burocracia que sofrem os pequenos artistas diante de valores ínfimos pagos ao seu trabalho. Dácio, assim como outros gestores, precisam focar no seu projeto e função. Cargo de gestão é cargo de distribuidor de direitos e não de cobrança de favores.

Qual seria, a seu ver, a responsabilidade dos governantes nesse processo?

Como falei acima, gestar é distribuir direitos. É pensar: sou gestor de quê e para quem? Não se pode tratar o artista como um pedinte de favores. O gestor precisa conhecer seu público, saber suas demandas e como pode atuar em cada uma. Mesmo na arte, temos realidades diferentes. A música abre espaço em bares noturnos, já o teatro precisa de outros lugares e artifícios para acontecer. Todos precisam ser atendidos porque são profissionais desta área, estudaram e pagam seus impostos, além de gerar renda, emprego. O governante precisa garantir essa segurança financeira para estes profissionais.

Cultura ou entretenimento?

Os dois. Desde que o entretenimento não seja na linha maquiavélica do pão e circo, como tem acontecido, com muita frequência, na cidade. O entretenimento tem seu grau de importância para formação de público e mesmo para gerar novas criações, o que seria um trampolim para processos mais críticos e culturais, mas tem de haver essa outra oferta para que realmente haja essa formação crítica, caso contrário teremos um público analfabeto cultural e viciado a aplaudir apenas o que lhe foi ofertada para distração.

Como vê o pedido do secretário de cultura para que os artistas postem seus trabalhos de graça no site da prefeitura? Não seria uma forma de extorsão?

Um pedido no mínimo desrespeitoso, e na cena atual, chega a ser criminoso e debochado, mostrando falta de empatia, de responsabilidade com estes profissionais que ele está representando e mostra pincipalmente a banalização e falta de valor que se dar a esses profissionais. Não faz sentido artistas terem que fazer abaixo assinado cobrando pagamentos atrasados de 2018, 2019 e mesmo do carnaval 2020, que respeito é esse? Então, não me surpreende atitudes como esta. Artistas tem vivido, nos últimos meses, acho até que, no nosso estado, sempre viveram, de doações de colegas, de apresentações através de suas redes sociais, pedindo ajuda do público para pelo menos pagar seu aluguel. Isso é muito triste, desumano, humilhante para estes profissionais que se dedicam dia e noite para levarem o melhor para seu público. Trabalho de graça se faz para Ongs, projetos filantrópicos, que não tem como pagar, e geralmente, os artistas tem maior prazer em fazer essas apresentações. Porém, prefeituras tem dever de pagar qualquer prestação de serviço feito pelos artistas.

Como descreveria o tratamento que Dácio dispensa aos artistas, principalmente àqueles que não fazem parte da sua turma?

Como já falei anteriormente, temos artistas maravilhosos, extremamente profissionais e competentes, tanto técnico como carismático com seu público. Eu poderia citar vários. Não é papel do gestor ter tratamento diferenciado para os artistas, visto que seus serviços devem atender a todos em igualdade. Infelizmente vivemos em uma cultura de indicações e egos que precisa urgentemente ser quebrada para que nossa cultura possa respirar e se autogerir. Temos lugar para todos. E o dever de um gestor é favorecer e organizar esses lugares para que o bem-estar seja impresso na sua gestão, infelizmente, isso não tem acontecido, as famosas panelinhas, me parece estar sempre presente nestes lugares desrespeitosos com as funções públicas que abraçaram

Em destaque, cena da peça O beijo no asfalto, de Nelson Rodrigues, dirigida por Temis Suerda; acima, Weid em monólogo sobre a música Cálice, de Chico Buarque.