*Brasigóis Felício
Quem não tenha uma visão limitada pelo colonialismo cultural interno, e tenha acompanhado a trajetória da poesia brasileira, nas últimas décadas, estudando a produção verificada não só no eixo Rio São Paulo, concluirá o que já sabe boa parte da crítica e dos apreciadores da boa poesia: que Yêda Schmaltz é sem dúvida uma das vozes líricas mais expressivas, dentre as que se despontaram, no esfera da modernidade.
Desde sua estréia literária, com a obra Caminhos de Mim, até Alfenin, em que poetiza a nossa história, nossa cultura e costumes, sua obra veio crescendo qualitativamente, de livro para livro, revelando uma crescente maturidade no tocante ao domínio dos recursos da poética, a par de uma visão integradora, de cortante ironia e lucidez, dirigidas ao universo do existir humano.
É impressionante a intensidade apaixonada com que esta grande escritora e poetisa brasileira entregou-se a seu ofício. Já antes de aposentar-se do magistério, em que ensinou, com que ensinou história da arte na UFG, com notável competência e sensibilidade, imprimiu alta voltagem poética às suas produções, refletindo-se no que escrevia a alquimia secreta da transformação de sua visão de mundo, não mais em sintonia com a diáfana leveza dos versos de Ariadne, a mulher que espera, mas com a tensão e força da mulher criadora que não renuncia ao combate, mesmo sabendo que sua coragem em desafiar o sistema em que se cevam os normóides resultaria em fria hostilidade ou hipócrita aceitação social, por parte de quem, não tendo a audácia de roubar aos deuses o fogo da sabedoria, não gastam a vida até o osso, comprazendo-se viver e criar de maneira morna, se bem que mortal e mortífera, com o poder de destruição que tem a energia estagnada.
Durante décadas, em sua residência (a casa da poesia) no Bairro Feliz, Yêda Schmaltz dedicou-se a produzir uma das mais refinadas e substanciais produções poéticas deste país. Sua obra, de valor reconhecido pelos que sabem quem é quem na poesia brasileira produzida dos anos 70 até nossos dias, só não obteve a consagração nacional (em termos de público), que merece, e haverá de ter um dia, por não ter sido publicada com uma grande editora, que a tornasse disponível em todas as livrarias do país. Não obstante isto, a crítica nacional e internacional reconheceram a força de sua linguagem e sensibilidade.
Tendo sido um dínamo, a produzir incansavelmente uma das melhores poesias já escritas por homens e mulheres, neste país, Yêda Schmaltz deixou profundas marcas no tempo e no espaço geográfico em que viveu e trabalhou. Sua personalidade forte, sua franqueza e a centelha da inteligência, que acende a chama criadora de sua poesia forte e expressiva, serão a cada vez mais lembradas, quanto mais passar o tempo.
Pois este é o destino que sempre alcançam os artistas que criam perigosamente, em vertigens de falésias, ao contrário dos que escrevem anedotas ou versalhadas lacrimosas, em mediocridade triunfante, ou em mornidão de pântano. Pois o fulgor de supernova de sua fecunda lavra de signos tem verdade humana, além de engenho e arte, para sobreviver ao tempo e à vala comum onde são atiradas as obras que não foram iluminadas pela aura poderosa, em que se tornam parceiros dos deuses, os que se fizeram gênios.
* Brasigóis Felício, escritor, jornalista e crítico de arte,